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sábado, 23 de maio de 2015

Ajuste fiscal: governo petista trai o povo brasileiro

O “ajuste fiscal” é uma realidade. Quase R$70 bi retirados da economia para o superávit primário (em língua de gente: pagar juros a banqueiros).

Serão partilhados da seguinte maneira: bancos entram com R$ 3 bi (pagos a eles mesmos, veja que original), sendo que vão recuperar esse montante aumentando as já exorbitantes tarifas bancárias, as quais caberia ao governo regulamentar.

Por sua vez, os trabalhadores – que no Brasil são muito mais ricos do que banqueiros, como sabemos - entram com R$66,9 bi (só 23 vezes mais). O resultado será mais aumento de imposto, desemprego, falências, sucateamento ainda maior de Saúde, Educação e estradas federais.

Além disso, em mais uma demonstração da prioridade à Educação (afinal, esta é a Pátria Educadora) quase 20% do orçamento da área foram cortados, passando de R$48,8 bi para R$39,2 bi. Traduzindo o economês: vão acabar de sucatear as universidades federais, onde já anda faltando até papel higiênico, e os professores vão para o quinto ano sem aumento.

Já na Saúde, o corte será ainda maior - já que é área de excelência em nosso país -, reduzindo os R$103 bi originalmente orçados para R$91 bi agora. O resultado será o aumento do lucro das funerárias e dos planos de saúde mais picaretas.

Mas esses efeitos penosos do tal do ajuste são só para as pessoas comuns. Se você é um dos 39 ministros da Dilma, parlamentar, aspone do governo federal ou do Congresso ou atua nos altos escalões da Justiça (sic) não precisa se preocupar: além do salário de cinco dígitos que recebe, já há aumentos agendados. Afinal, dinheiro é o que não falta.

Não se pode, evidentemente, acusar o governo petista de Dilma de incoerência. Pois ela está fazendo exatamente aquilo que, na campanha, prometeu que Aécio e Marina fariam: tirar a comida da mesa do brasileiro para satisfazer a fome pecuniária de banqueiros.

Convém ter claro que, em termos de reflexos sociais, os efeitos do ajuste fiscal são parte de um processo que só começou, tendendo a se agravar com a efetividade do corte bilionário no Orçamento. Segundo os mais otimistas, os efeitos duram ao menos mais um ano e meio – porém, há os que predizem um efeito recessivo mais longo (mas a 2018 não chega, porque, sendo ano de eleição presidencial, tem o pacotão de bondades para enganar trouxas....).

O desemprego recorde de abril - o maior em 23 anos -, o número de pequenos comércios fechando e a quantidade visível de imóveis para alugar são apenas o primeiro indício concreto, pré-corte no Orçamento, de um cenário socioeconômico nada auspicioso para os trabalhadores e para a população brasileira em geral.

E depois de tudo isso ainda tem gente que jura que o PT é um partido de esquerda.

(Imagem retirada daqui)

segunda-feira, 18 de maio de 2015

A crise orfã e o autoritarismo econômico



 A crise que o Brasil atravessa, na contramão da tendência mundial de recuperação e documentada em índices vexatórios até mesmo se comparados aos de seus vizinhos continentais, permanece sem autores, sem responsáveis e, em decorrência, sem um mísero pedido de desculpas à população.

O governo Dilma rendeu-se de vez e voluntariamente à ortodoxia neoliberal e ora sobrepõe o aperto fiscal a todas as demais demandas, com cortes que afetam – e muito – inclusive a Educação e os programas sociais. Exatamente como dizia, na campanha eleitoral, que seus adversários fariam.

A passividade com que população, classe política e Judiciário (não) reagem a esse autêntico estelionato eleitoral só é comparável, em termos de desserviço à democracia brasileira, ao descompromisso do petismo para com a autocrítica e as satisfações à população, tanto do porquê de tamanha crise (já que os comerciais de João Santana retratavam um país paradisíaco) quanto da traição eleitoral que a adoção do outrora tão criticado receituário neoliberal ortodoxo torna efetiva.



Narrativas falseadoras
Não que o neliberalismo não estivesse presente nos governos Lula e Dilma, os quais desde sempre “costearam o alambrado”, como diria o saudoso Leonel Brizola. Afinal, o tripé de sustentação das políticas neoliberais vem sendo mantido efetivo há mais de 12 anos (e nas poucas vezes em que foi relativizado, como por ocasião das hoje investigadas “pedaladas” que Dilma usou para conseguir se eleger, foi “na moita”, em silêncio, sem a coragem de questionar publicamente o dogma fiscal neoliberal e confrontar o mercado, como um partido de esquerda faria).

A diferença é que antes havia o pudor do disfarce, de tentar ao menos matizar o neoliberalismo com seguridade social e com laivos, em sua maioria meramente retóricos, de “esquerdismo progressista”, ou seja, derivado de versões vulgares e exclusivamente econômicas do marxismo. Isso em pleno século XXI...



Petismo tucano
Mas agora tudo isso é passado. O governo petista sucumbiu voluntariamente ao neoliberalismo ortodoxo da mesma forma que FHC o fez: adotoando-o como uma panaceia, uma receita “técnica”, uma solução incontestável, mesmo ciente de que sua implementação venha a significar o sacrifício de pobres, trabalhadores, desempregados, viúvas de inválidos, além de um retrocesso enorme no processo de inclusão social das classes D e E, com aumento da pobreza e da miséria (cuja erradicação já fora inclusive anunciada). E tudo isso em se tratando de uma crise que apenas se inicia, pois é evidente que o cenário socioeconômico tende a agravar-se muito mais na medida em que os “ajustes” recém-aprovados passem a efetivamente fazer efeito.

Assim, contra uma crise tratada como manifestação súbita, imprevisivel e descontrolada, alegadamentge alheia a seu própro governo, Dilma e o petismo negligenciam qualquer compromisso político, programático ou ideológico, renunciando à política, e respondem com o velho dogma tecnocrata, cuja versão corrente desde o início dos anos 90 é o neoliberalismo ortodoxo.*



A serviço do mercado
Como foi durante toda a era petista, a prioridade é o mercado financeiro, e em nome deste qualquer possibilidade de mobilização social ou de confronto é esvaziada, sob o pretexto da crise, em prol de um determinismo econômico imposto de forma autoritária e sem debate com a sociedade.

Esse horror à realidade das contradições se exprime no modo como a classe dominante brasileira elabora as situações de crise. Uma crise nunca é entendida como resultado de contradições latentes que se tornam manifestas pelo processo histórico e que precisam ser trabalhadas social e politicamente. A crise é sempre convertida no fantasma da crise, irrupção inexplicável e repentina da irracionalidade, ameaçando a ordem social e política. Caos. Perigo.

Contra a “irracionalidade”, a classe dominante apela para técnicas racionalizadoras (a célebre “modernização”), as tecnologias parecendo dotadas de fantástico poder reordenador e racionalizador.” **

Tal diagnóstico, fornecido há quase três décadas por uma Marilena Chaui cuja produção intelectual não havia ainda sido embotada pelo fanatismo partidário, continua, como se vê – e com o perdão pela ironia - atualíssimo.



Efeitos colaterais
Assim, para além das graves consequências sociais que esse economicismo autoritário certamente legará – afetando de forma mais intensa as camadas mais pobres da população -, as grandes vítimas da traição petista à sua história e às suas plataformas eleitorais são a política em si e a esquerda em particular.

A primeira porque, além de já conspurcada pela corrupção que certamente antecede o petismo, mas do qual este não está, de forma alguma, excluído – muito pelo contrário -, é vista cada vez mais como meio intrinsecamente desonesto de vida e locus do total descompromisso entre o prometido pelo marketing político e o efetivamente cumprido pelos partidos ou candidatos.

E a esquerda pelo fato de o petismo, malgrado seus 12 anos de guinada conservadora e sua atual rendição ao neoliberalismo, ser visto por grande parte da população como um partido representante de tal espectro político – para o que muito contribui a má formação política geral e a ação, remunerada ou não, de um contingente de militantes virtuais ou reais, cujos traços distintivos são o fanatismo, a intransigência e a agressividade desqualificadora como tática de ação política.



Direita, volver!
Tudo somado, a conclusão inevitável é que o petismo, na prática, tem colaborado intensamente para o fortalecimento do conservadorismo e o retorno, com ainda mais força e com resistência mínima, do neoliberalismo como a “ideologia aideológica” hegemônica na orientação das políticas públicas.

Um quadro que só o surgimento de uma esquerda efetiva e coerente, antineoliberal e biopolítica, ideológica e programaticamente compromissada, baseada na interação horizontal possa, talvez, reverter.



* Sobre a relação entre economicismo e (autonomia da) política, recomendo com ênfase texto recente de Bruno Cava.

**(CHAUI, 1986, p. 60. Imagem de Mafalda retirada daqui)

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Para onde vai a política brasileira?

Qual o futuro da política no Brasil? A resposta para esta questão, seja ela qual for, aponta para o esgotamento e a necessidade de superação do modus operandi político vigente no país ao menos desde o advento da “Nova República” (1984).

Seu traço distintivo é um tráfico de cargos e bens públicos, alegadamente em troca de apoio político, mas que na prática significa a perpetuação, nos níveis federal, estadual e municipal, da cultura estamentária de que nos fala Raymundo Faoro, protagonizada por politicos parasitários que sugam e tiram proveito privado do Estado.


Mercado de pulgas
Tal escambo do bem público tem sido a prática politica padrão de todos os partidos que se revezaram no poder desde a redemocratização. Só muda o rótulo: “balcão de negócios” na época do PMDB de Sarney, “toma-lá-dá-cá” com FHC e os tucanos, “realpolitik” na era petista de Lula e Dilma.

A recente fala pública de Aloizio Mercadante anunciando, sem o mínimo pudor, que o segundo escalão será preenchido por quem votar com o governo é a coroação dessa baixa politica, em que cargos técnicos e de comando – que deveriam ser ocupados pelos especialistas mais dotados e capazes – viram mera moeda de troca por um voto no Parlamento. E tal voto - que, por sua vez, deveria se dar em consonância com a consciência, a convicção e o alinhamento ideológico, político e partidário do parlamentar - é trocado por um cargo bem remunerado e de algum prestígio. Como se de uma mera relação comercial se tratasse.




Danos de monta
É imenso, incomensurável o atraso que tal prática politica acarreta ao país, cuja condução fica a cargo de pessoas não apenas despreparadas, mas ávidas por ganhos pessoais advindos de sua posição privilegiada; à democracia, que já carece de partidos programáticos e ideologicamente coesos; e à deteriorização da visão pública que se tem da política, como antro de sujeira e de corrupção.

Essas mais de três décadas de polticas de gabinete, entre a chantagem parlamentar e o suborno do Estado, tornaram a própria política brasileira anacrônica. E esse atraso não diz respeito apenas a instituições, e sim às relações entre arena pública, democracia e ação politica, em todas suas potencialidades. No bojo de tal processo – que o poder quer imutável – são mínimas e negligenciadas as formas efetivas de participação política e de democracia direta; a incorporação efetiva de uma pauta biopolítica que supere o meramente econômico e abarque, como prioritárias, as demandas comportamentais, corpóreas, sanitárias, educacionais, ambientais, recreativas – bem como a promoção efetiva dos direitos humanos de quarta geração.


Esgotamento
Mas, por outro lado, há um claro esgotamento público para com a corrupção, açulado por grandes processos em que Justiça e mídia desempenham um papel central, como o Mensalão e a Operação Lava-Jato. Para além das questões de justeza, de tratamento desigual entre escândalos tucanos e escândalos petistas, de teorias conspiratórias variadas sobre golpes e contragolpes, o fato é que a tolerância para com a corrupção acabou e que esta, neste momento, mostra-se profundamente associada, no imaginário político brasileiro, ao PT.

PT cuja guinada violenta à direita, hoje simbolizada pelo estelionato eleitoral em curso, não é fato recente, decretado pelas consequências da traição eleitoral de Dilma. Trata-se de um processo, que começou efetivamente lá atrás, na primeira eleição de Lula, com concessões sucessivas ditadas por uma realpolitik cada vez mais elástica e amoral - que seria temerariamente esticada, ao longo dos anos, por alianças do PT com personagens como Jader Barbalho, Collor e Maluf.


Corrupção moral
Tal processo agravou-se com o primeiro mandato de Dilma, que - como este blog documentou desde o início – teve na ampliação da hegemonia política via concessões ao conservadorismo o seu principal norte político. Uma dinâmica cujo fim seria – como alertamos diversas vezes entre 2011 e 2014 – o desequilíbrio do pêndulo da política brasileira para o espectro centro-direita, com o esvaziamento político, eleitoral e programático da esquerda.

O que se vê hoje em dia é apenas o bagaço dessa laranja: o petismo tanto cedeu à direita que terminou sua presa, praticando, neste momento, a mesma velha política neoliberal da era FHC, cortando na carne de trabalhadores e desempregados para fazer altos superávits primários e agradar ao mercado financeiro. Se a corrupção financeira é ainda por alguns ingênuos ou fanáticos questionada, a corrupção moral torna-se evidente.



Covardia e conformismo
E setores que poderiam se contrapor, à esquerda, a esse quadro, preferiram, nas últimas eleições, apostar no medo - já covarde e  artificialmente inflado pelo marqueteiro oficial -, confortavelmente insistindo na leniência para com o retrocesso petista, que já era mais do que evidente.

 Pois que Dilma tenha se reeleito graças ao decisivo “voto crítico” de psolistas e demais setores que se dizem de esquerda é uma prova precoce – mas contundente – não só da miopia e má formação política dessa pretensa vanguarda, mas que ela não é coerente com as demandas de renovação das práticas politicas no país. Continua presa aos padrões convencionais e mercantilistas da política. Um museu de grandes novidades, como disse o poeta.


Horizontes
Portanto, a resposta à pergunta que abriu este texto – qual o futuro da política no Brasil? - não virá desse campo minado, desses políticos de discurso ora nuançado, ora agressivo de esquerda mas de postura invariavelmente  retrógrada quando o tema é segurança pública, drogas ou sexualidade.

Os termos de tal resposta nos é permitido apenas intuir; só o futuro dirá se a atual crise do país acabará por impor mudanças de monta ou a agravar ainda mais o retrocesso. Por ora podemos apenas afirmar que a renovação da política no Brasil passa, necessariamente, por um lado, pela horizontalização do debate popular e pelo salto qualitativo no exercício da cidadania; e, por outro, pela reformulação dos partidos e pelo fim do aparelhamento e loteamento do Estado a cada troca de siglas no poder. Que forças serão capazes de se incumbirem de tamanha tarefa só a própria população brasileira poderá determinar.



(Imagem retirada daqui)

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Muito além de um panelaço

O panelaço de ontem à noite foi o maior e mais amplo protesto do tipo já ocorrido no Brasil.

Mente quem continua a sustentar que se trata de um movimento restrito à zona sul de São Paulo ou do Rio. Relatos, a quente, dão conta de que ontem a manifestação foi intensa em todas as capitais do Sul e do Sudeste, no ABCD e no interior de São Paulo, em Goiânia e Brasília e até em capitais nordestinas (antes de predomínio petista) como Maceió, Natal e Recife.

O avanço do protesto para áreas menos abastadas foi, em São Paulo e no Rio, um fato. Tanto a área central dessas cidades quanto alguns dos bairros intermediários entre os de classe média e os mais periféricos tiveram inéditos panelaços que, durante os longos minutos de duração do programa eleitoral petista na TV,  produziram um barulho ensurdecedor, intensificado por buzinas e apitos e entrecortado por gritos de protesto.

Ficou mais uma vez claro que vivemos, hoje, em um país no qual a presidente não pode aparecer em público sem ser recebida por um coro de vaias e em que o partido vencedor das eleições presidenciais desperta panelaços quando é sua vez de veicular seu programa televisivo.



A desqualificação como tática
São fatos, ancorados na realidade, mas ainda assim continuam a ser negados pelos governistas, cuja reação ao panelaço foi a de sempre: desqualificá-lo. Até nisso os petistas estão cada vez mais parecidos com os neoconservadores: substituíram o diálogo pela desqualificação agressiva.

As reações de ontem corroboram tal premissa: “coxinhas” e “alienados”, dentre as denominações publicáveis, foram os adjetivos mais gentis endereçados a quem protestou batendo panela. Uma modalidade de protesto que, na visão dos governistas, vai do “não vale” ao “simplesmente ridícula”. Protesto válido, para eles, só os a favor.

Nesse esforço para desqualificar uma manifestação popular espontânea, com mais participação das classes médias, a pérola maior foi uma comparação. “Contra o massacre dos professores no Paraná ninguém bateu panela” e frases similares pipocaram nas redes sociais.

Trata-se de uma injustiça e de uma comparação despropositada.



Significados do panelaço
Em primeiro lugar, porque a reação ao massacre tucano contra os professores foi das mais expressivas, na internet e fora dela, chegando a gerar, na verdade, uma quase-unanimidade, o que fez com que até os fóruns dos grandes portais – lar por excelência do conservadorismo mais tacanho – coletassem milhares de opiniões condenando a brutalidade policial.

Em segundo lugar, por uma questão de afinidade entre a modalidade de protesto, aquilo contra qual se está protestando e a oportunidade do protesto. Ou seja, a forma de protesto panelaço, rara no Brasil, não foi escolhida à toa, assim como não é por acaso que foi deflagrada enquanto durou o programa eleitoral do PT.

Pois existem duas significações evidentes diretamente conectadas ao panelaço de ontem: a primeira é a tentativa de condenar publicamente o Partido dos Trabalhadores, com o barulho das panelas impondo-se, em volume e conotação , ao discurso marqueteiro do programa do partido, que o baticum denunciou como falso e artificioso. Eis o resultado da traição eleitoral de Dilma, que na campanha presidencial vendeu um país de comercial de margarina e agora corta na carne e nos direitos dos trabalhadores.

A segunda significação do panelaço vem da própria escolha de panelas como “instrumento de percussão” privilegiado do protesto, numa clara alusão à carestia e aos aumentos cumulativos da carne e dos demais itens alimentares básicos, cujo consumo a inflação real (muito mais alta do que a oficial, como constata qualquer pessoa que faça compras regularmente) ora impede ou diminui.



Despropósito e omissão
São essas as razões que tornam improcedente a cobrança por panelaço contra o massacre dos professores pela PM paranaense, sob o comando do governador tucano Beto Richa. Tal carnificina, por sua própria natureza, seu caráter único, inesperado, geograficamente localizado, protagonizado por forças estaduais, sem um referencial nacional que pudesse delimitar o horário e a duração da manifestação, demandou outras modalidades de protestos – que, se não foram suficientes (nunca seriam), não foram poucas nem restritas, mobilizando intensamente a blogosfera, as redes sociais, órgãos da sociedade civil organizada e, sobretudo, a efetiva solidariedade da população paranaense aos professores em greve.

Mas, se os governistas querem comparar protestos, seria mais justo que se valessem de  eventos similares, contrapondo o ocorrido no Paraná a, por exemplo, o espancamento de professores em greve pela Guarda Municipal de Goiânia, sob o comando do prefeito petista Paulo Garcia, ocorrido no último dia 24. Porém, quanto a esse ato de violência oficial, nos blogs e demais hordas petistas, reina o mais obsequioso silêncio.



A voz das panelas
Voltando ao panelaço de ontem, é preciso atentar para uma terceira significação, das mais urgentes: o fato de se dar no momento em que o PT, após semanas questionando o ajuste fiscal brutal que o governo Dilma enviou à Câmara, parou de fazer teatrinho e admitiu que vai votar a favor. Trata-se da consumação da traição eleitoral de um partido dito dos trabalhadores, mas que vai ser cúmplice em um enorme sacrifício de direitos, empregos e renda, através de uma medida que penaliza desempregados, viúvas de inválidos e trabalhadores de baixa renda, enquanto conserva intactos as grandes fortunas e os lucros pornográficos dos bancos e das teles.

E tudo isso para quê? Unicamente para satisfazer aos caprichos do mercado financeiro, cumprindo uma meta irreal de superávit primário, ou seja, de dinheiro que deixa de ser investido no país e é entregue aos bancos para fazer caixa, provando que o governo consegue poupar.

O resultado já se faz sentir, no crescimento dos índices de pobreza, na expulsão da classe C do paraíso da classe média, nos cortes do financiamento estudantil (FIES) (em mais uma evidência de que a alegada prioridade à Educação não passa de discurso de campanha). Um quadro que, segundo especialistas dos mais variados matizes, tende a se agravar ao menos até o final do ano que vem.



Mundo da fantasia
É evidente que essa administração irresponsável dos bens públicos, impondo um retrocesso econômico duríssimo ao país, nada tem de esquerda. Trata-se de uma medida que em nada difere daquelas adotadas quando da vigência do neoliberalismo ortodoxo do período FHC.

A claque petista na internet, no entanto, liderada pelos blogueiros “progressistas” (sic), continua em estado de negação e, enquanto se empenha na desqualificação de tudos e de todos que não aceitam passivamente a traição eleitoral perpetuada por Dilma e pelo partdo, apoia cegamente a transformação do PT em força-auxiliar do neoliberalismo.

Mas começa-se a se quebrar, felizmente, o cordão de silêncio, inação e temor em relação ao estalinismo tacanho dos governistas. Esta semana o jornalista Celso Lungaretti publicou um corajoso artigo no qual critica os “blogueiros amestrados (…) que em todos os assuntos se posicionam levando em conta unicamente conveniências palacianas.”. Que mais vozes se somem à denúncia desse conluio de fanáticos, que promovem de bom grado a negação da realidade em nome do engajamento partidário.



Crepúsculo de um partido
Passa da hora de Dilma e o PT assumirem o ônus de sua traição – que não se limita ao estelionato eleitoral praticado na última eleição, dizendo, na verdade, respeito a todo um processo de aproximação e mimetismo com a pior direita - e, concomitantemente, de cooptação e enfraquecimento da esquerda, que hoje, aliada ou não ao petismo e ainda que de forma injusta, improcedente e inadvertida, paga o preço das imposturas petistas.

Há alternativas à redenção total ao mercado, mas para isso seria preciso, além de decência e compromisso com o povo, vontade política – itens que o petismo, em conluio com o mercado e presa do marketing político aético de João Santana, não tem mais capacidade ou interesse de oferecer.

E um número cada vez maior de cidadãos e cidadãs sabe disso – e, por ora, enquanto as eleições não chegam, manifesta sua indignação e revolta batendo panelas.




(Foto retirada daqui)

quarta-feira, 29 de abril de 2015

O massacre contra os professores

Mais um espetáculo de covardia e desrespeito ao ser humano, desta vez protagonizado pela PM do Paraná, agredindo com extrema violência professores desarmados.

As imagens mostram dezenas de homens e mulheres banhados em sangue, com hematomas pelo corpo, alguns com feridas abertas, outros desmaiados.
O pior é que isso está longe de configurar novidade: nos últimos anos - um período de plena democracia, reza a lenda - tornou-se rotina a repressão violenta e desproporcional contra manifestantes pacíficos, que exerciam o direito constitucional ao protesto.
E por que os professores paranaenses apanham? Por se manifestarem contra a tentativa do governo de Beto Richa (PSDB) de usar a previdência dos aposentados com mais de 73 anos para pagar a dívida pública, em mais um caso flagrante de violação de direitos.

Antes que os fanáticos de lado a lado tentem partidarizar a violência, convém lembrar que, se um governo tucano é o carrasco de hoje, na semana passada esse papel foi do prefeito de Goiânia, Paulo Garcia (PT/GO), e sua Guarda Municipal- e em 2011 a (ir)responsabilidade foi de DIlma, no espancamento dos profesores ocorrido em frente ao MEC.


Além disso, nos últimos anos, no histórico do uso da violência contra manifestantes pacíficos, aparecem vários governantes desses dois partidos cada vez mais indistinguíveis entre si, farinha do mesmo saco.


Pátria Educadora?
Políticos só exaltam a Educação no momento de pedir votos. No resto do tempo, os professores são desprezados pelo poder, humilhados e mal pagos.

Agora, querem calá-los a ponta de baioneta. Haverá um limite para o autoritarismo e a falta de sensibilidade social dos atuais governantes brasileiros?

sábado, 4 de abril de 2015

UPPs e as ilusões da criminalização

“Educai as crianças e não será preciso punir os homens” – a frase, atribuída ao filósofo e matemático grego Pitágoras, resume e antecipa em mais de vinte séculos pressupostos centrais à filosofia iluminista de Jean-Jacques Rousseau, que o grande sambista dos anos 40 Wilson Batista resumiria em versos: “Se o homem nasceu bom/ e bom não se conservou/ a culpa é da sociedade/ que o transformou”.

No Brasil, tais pressupostos encontram-se hoje em em baixa, devido tanto à ameaça real de diminuição da idade mínima de imputabilidade penal - ora em debate no Congresso - quanto à violência sistemática do Estado contra jovens nas periferias, a qual o trágico assassinato do garoto Eduardo pela PM, no Complexo do Alemão, exemplifica e atualiza.

A despeito de estarmos atravessando o mais longo período democrático de nossa história, tais pressupostos iluministas vêm sendo solapados pela ideologia punitiva que vicejou sob o neoliberalismo, açulada por sua vez pela explosão populacional, “no marco de sociedades fraturadas por linhas de pobreza e aturdidas pelo florescimento de ideologias individualistas e anti-solidárias”, como observa Beatriz Sarlo em seu belo livro Cenas da Vida Pós-Moderna.

Somam-se a esse contexto a perpetuação do militarismo através de forças policiais mal remuneradas, mal treinadas e desacostumadas a respeitar direitos; uma “Guerra ao terror” que se perpetuou e serve de desculpa para toda e qualquer violência do Estado, aí incluídas tortura e repressão periférica de cunhos racista e classista; e o fato de o incentivo à violência de Estado vir tanto do circo midiático, com os Datenas da vida, quanto do picadeiro político, prato cheio para demagogos travestidos de paladinos da panaceia contra o crime.



Importação acrítica
Mas não se limita a querelas brasileiras o recrudescimento dos modelos punitivos. O acirramento do debate sobre criminalização e direitos humanos está intrinsicamente ligado à emergência de um “Estado penal e policial” nos EUA, em substituição ao “Estado caritativo”, como observa o sociólogo.Loïc Wacquant. Seus estudos fornecem a radiografia de um processo que, sob patrocínio do ideário neoliberal, transformou as cadeias dos EUA em um proveitosos negócio, abarrotando-as de negros e pobres por cujo encarceramento o Estado limita-se a pagar, desinteressado de direitos e obrigações.

E é assim, no bojo da assimilação acrítica de um modelo punitivo peculiar aos EUA, que ganha cada vez mais força no Brasil a pregação de políticas tais como a privatização dos presídios (em andamento) e a redução da idade de maioridade penal. Esta, uma medida francamente contrária ao espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – um avançado arcabouço legal de proteção à infância, como tal internacionalmente saudado quando de sua promulgação em 1990, mas que ora é cada vez mais discutido e atacado, ainda que a maioria de seus artigos jamais tenha sido de fato incorporada à prática social (em mais um exemplo desse fenômeno tão brasileiro que é o das leis que não “pegam”).

Se esse cenário de crescente repressão é nacional, ele se mostra mais evidente no Rio de Janeiro de Wilson Batista, em parte porque sua topologia e suas pronunciadas assimetrias sócioeconômicas põem a nu – como talvez em nenhum outro centro urbano do país – as profundas desigualdades de classe que o poder quer ocultar, em parte porque, com o auxilio de de um grande grupo de mídia, promove-se uma deliberada criminalização da pobreza por meio da qual os cidadãos e cidadãs que habitam os morros e áreas periféricas têm seus direitos constitucionais sistematicamente negados.

Nesse quadro - marcado pelo maniqueísmo e por preconceitos de classe - o debate público em torno de cidadania tende a se restringir à ótica da criminalização. Como aponta a pesquisadora Helena Singer, “os discursos e as práticas sobre os direitos humanos não chegam à população sob a forma de igualdade, felicidade e liberdade, mas sim de culpabilização, penalização e punição, integrando um movimento mundial de obsessão punitiva crescente”.




As UPPs em xeque
Assim, ainda que a sensação geral seja a de se estar enxugando gelo, a um custo material e humano altítssimo, o investimento em alternativas e em políticas de médio e longo prazo é mínimo e quase sempre fugaz: como o caso das UPPs no Rio de Janeiro ilustra de forma didática, o conluio entre interesses eleitorais, interesses empresariais e interesses particulares das próprias forças responsáveis pelo monopóio da violência dos morros se sobrepõem, na prática, ao bem comum que a dita “pacificação” sugeria. Seja com traficantes, com milicianos ou com policiais, o fato é que os moradores cntinuam não-cidadãos, sujeitos a uma rotina de exploração, humilhação e violência.

Com o caso Amarildo, o modelo UPP já dera mostras contundentes de que estava longe de ser a panaceia redentora que Lula, Cabral e Paes anunciaram. Mas nem os políticos locais, nem o governo federal, nem as corporações midiáticas sediadas no Rio estão interessadas em interromper o fluxo de ganhos variados – nem todos confessáveis - que tal modelo proporciona. Que além das benesses assumam também o ônus de sua miopia: o assassino do garoto Eduardo pode ter sido um PM, que deve ser investigado e, se confirmada sua culpa, punido, mas a responsabilidade política pelo sangue derramado é dos governantes que financiam e/ou administram o modelo UPP - nominalmente Dilma Rousseff, Pezão e Paes – e dos meios midiáticos que entusiasticamente o promovem.

E manifestar solidariedade e cobrar punição do assassino não passam de obrigação. Não bastam: deixar o tempo passar, não intervir e insistir na continuidade do modelo das Upps tal como hoje em execução equivale a ser conivente com futuros assassiantos e violações sistemáticas dos direitos dos habitantes das áreas em questão.

Há uma simbologia evidente, epifânica, entre uma pátria que se diz educadora, as possibilidades efetivas de aprovação da diminuição da imputabilidade penal e o assassinato a sangue frio de um menino de 10 anos pela PM. Não vê quem não quer.



(Imagens retiradas, respectivamente, daqui e dali)






quarta-feira, 18 de março de 2015

Guia Militonto para Desqualificar Protestos

Centenas de milhares de pessoas saíram às ruas protestando contra o governo que você venera?


Não se aflija, aqui damos todas as dicas para você reagir do modo mais democrático: desqualificando os protestos e os manifestantes:


1) Culpe a mídia.


2) Diga que só teve classe média coxinha e demais não-cidadãos.


3) Escolha os cartazes mais absurdos, classistas, retrógrados e sem noção e associe toda a multidão à ideologia que apregoam.


4) Use um critério racial diferenciado: quem não for retinto, é branco. E rico.


5) Lembre-se: um bom Photoshop vale mais que mil palavras: faça desaparecer os cartazes sensatos, dê uma embranqueçada geral nas pessoas, coloque drinks com guarda-chuvinha na mão delas; desenhe bigodes de Hitler nos rapazes e polvilhe uns símbolos proibidos aqui e ali.


6) Culpe a mídia (mas não mencione a Secom, porque alguém pode divulgar a fortuna que o governo repassa às empresas de comunicação e pegar mal).


7) Minta sobre o tamanho da Paulista. Se alguém falar em 2,8 Km solte um “QUE ISSO!?” indignado e, de bate-pronto: “Nem a metade disso!”, emendando com um marketing básico: “E a parte central tá toda em obras: o Haddad vai implementar as ciclovias. Coisa de primeiro mundo!"


8) Cite o menor público possível, mesmo se o único instituto que o afiancie seja ligado àquele jornal da ditabranda e tenha, sempre, chutado pra baixo o número de participantes dos movimentos da esquerda.


9) Faça um vídeo: entreviste só a Opus Dei, populares com aparência de psicopata, defensores do golpe militar, gente que leva o Aécio a sério. Edite de modo a dar impressão que os outros 99,8% dos participantes são assim. Ah, e coloque ao fundo uns efeitos sonoros de comício nazista.


10) Faça como o grande lider deputado Sabá: atribue tudo a armação da CIA: IANQUES, GO HOME!


11) Classifique os protestantes com rótulos pregnantes: “Coxinha”, “Bebedor de Black Label”, “Patricinha com faixinha”, “Playboy indignado”, “Frequentador de sanduicheria”, "Sommelier de ceviche", “Ruralista escravocrata” (não, pera...).


12) Denuncie todo o tempo o GOLPE iminente, dizendo coisas como “isso sempre acontece quando o povo está no poder”.


13) Minta que você fez uma pesquisa entre os manifestantes e deu: Melhor Artista: Lobão; Melhor grupo: Engenheiros do Hawaii; Melhor cantor: Agnaldo Timóteo; Menção honrosa: Dom e Ravel.


14) Indigne-se com a indignação coletiva contra o Petrolão, bradando: “E sobre a água, nada?”, “Me engana que são todos honestos...”, “Quando vão protestar contra os trens do Alckmin?”


15) Culpe a mídia (mas não dê um pio sobre sua regulamentação, porque alguém pode lembrar que o PT dá no poder há mais de 12 anos e nunca mexeu uma palha nesse sentido). 

16) Tenha semprem em mente a lição do marqueteiro oficial: debate civilizado é para os fracos; o negócio, na democracia, é desqualificar. 

P.S. "A pedidos", incluo mais um item: Frisar que SÓ NESSES PROTESTOS se vê socialites com peitos turbinados de fora, coisa raríssima no Brasil.


(Imagem retirada daqui)

domingo, 15 de março de 2015

Porque sou contra o impeachment de Dilma


 Uma das maneiras mais justas e eficazes de se avaliar um governo é comparar o país que recebeu de seu antecessor com o país que entregou a seu sucessor.

Por esse critério, o primeiro governo Dilma foi péssimo: recebeu, segundo a própria historiografia petista, um país eufórico, um player ascendente no cenário global, com uma economia pungente, que superara a quase-falência dos anos FHC e para a qual a crise mundial não passara alegadamente de “uma marolinha”. Uma nação onde toda uma classe social composta de dezenas de milhões de pessoas acabara de ascender; um exemplo mundial de integração da pobreza e de combate à miséria.

Entregou, quatro anos depois, o que aí está: um país economicamente estagnado, que mais uma vez, como fizera durante os ano 80 e 90, sacrifica os direitos dos cidadãos em prol do pagamento de juros bancários, com a condução da economia de novo entregue à sanha ortodoxa dos neoliberais, aos quais o PT fora eleito para se contrapor (mas que Dilma prefere acomodar na Fazenda).

Uma nação trespassada pela corrupção, com sua maior empresa, estatal de capital aberto, no pivô de um dos grandes escândalos da história mundial, com consequências graves e diretas para a própria dinâmica da economia industrial do país.

Um território onde o misto de arcaismo e populismo na administração dos recursos energéticos, somado ao absoluto desprezo pelas questões ambientais leva, ao mesno tempo, a secas de efeitos catastróficos e a inundações devastadoras.

Uma pátria moralista, que enquanto o mundo debate a descriminalização da maconha e a plena integração dos cidadãos e cidadãs à revelia de sua sexualidade, vê crescer o preconceito religioso e a perigosa união entre poder político e poder religioso, sob patrocinio governamental.

Uma terra de ninguém, onde direitos humanos só valem para certos estratos socioeconômicos, enquanto os pobres são diariamente aniquilados pela repressão periférica que orienta a ação das polícias e os últimos índios vêm sendo exterminados de forma incólume.

Mas, para o bem ou para o mal – e a não ser que se prove de forma documentada um envolvimento direto de Dilma no escândalo da Petrobras – ser uma péssima governante, incoerente com o que passou a vida defendendo e negligente até mesmo na área em que é especialista não justificam o impeachment. O remédio contra tudo isso são as eleições, escolhendo melhor em quem votar.




Mentiras a granel
Os argumentos contra Dilma, porém, não se restringem à sua inaptidão administrativa: listam comportamentos impróprios a candidatos e ocupantes da Presidência. Trata-se, por exemplo, de uma figura pública que mente constantemente e sem sequer enrubescer: em sua primeira campanha eleitoral, prometeu de forma reiterada (há gravações em vídeo) não privatizar o Pré-Sal, mas, uma vez no poder, o privatizou, e com marcos regulatórios fernandistas.

Na segunda campanha, prometeu que não faria aquilo que afirmava que os adversários fariam: atacar direitos dos trabalhadores. Empossada, já no primeiro mês anunciou um brutal arrocho sobre direitos previdênciários e trabalhistas, afetando justamente os mais pobres com medidas referentes ao seguro-desemprego, ao seguro de pescadores e a pensão por morte.

Desde o primeiro mandato, afirma, a cada discurso, priorizar a Educação, mas qualquer pessoa da área sabe não passar de truque retórico, dela e de seus marqueteiros, cientes de que o povo valoriza o investimento em tal atividade.

A realidade é bem outra: os professores universitários vêm sendo mantidos a páo e água, sem um aumento sequer, desde que ousaram recorrer ao direito de greve para protestar; as “novas” universidades servem de ilustração contemporânea ao dito de Lévi-Strauss (“aqui tudo parece que é ainda construção, mas já é ruína”), com suas salas inacabadas, laboratórios improvisados em contêineres, goteiras, ausência de climatização em regiões tórridas, número abusivo de professores substitutos e absoluto desleixo com o acervo das bibliotecas.

O Ciência Sem Fronteiras, truque de marketing em que, sem a mínima justificação pedagógica, graduandos iam fazer “turismo educacional” no exterior, e o FIES, programa questionável já em sua concepção, ao transferir vultosos recursos públicos a universidades particulares - muitas de qualidade pra lá de duvidável -, sofrem agora cortes abruptos e repentinos, frustrando dezenas de milhares de estudantes aos quais fora garantido expectativa de acesso.

Apesar desse cenário de caos, Dilma não hesita em fazer divulgar o slogan “Pátria Educadora”, num momento em que o arrocho determinado por Levy faz com que, nas federais, falte água, papel higiênico e até verba para as contas de energia elétrica e os serviços terceirizados de limpeza e segurança.

Mas, uma vez mais, é preciso reconhecer: para o bem ou para o mal, ser uma mentirosa contumaz, entregar o nosso petróleo e promover uma manipulação cosmética da Educação não são motivos para impeachment.


Impunidade eleitoral
Talvez já passe da hora de se rever a respectiva legislação e de a Justiça Eleitoral assumir uma atitude mais pró-ativa nos pleitos, coibindo as desqualificações agressivas e mentirosas que vimos nas últimas eleições e adotando medidas para impedir que um candidato se comprometa a não fazer o que alega que seus concorrentes fariam e, no poder, um mês depois, vir a fazer exatamente isto, sem que o cenário tenha drasticamente mudado.

Alguns qualificam tal atitude como estelionato eleitoral. Mas, por enquanto, as leis e a justiça eleitorais não punem tais trasngressões, o que dizer com impeachment. Portanto, contra tais males, o remédio segue sendo o voto.



Para além do aqui-agora
A ausência de projetos de médio e longo prazos, preteridos em prol de um improviso constante, frutoso quando a economia ajuda, socialmente cruel em períodos de vacas magras, como o atual, tampouco são motivos para impeachment. Se tais projetos não passarem a compor a pauta governamental, e logo, dificilmente o Brasil poderá voltar a sonhar, no curto prazo, em ser uma nação bem-sucedida, ou seja, com menos desigualdade interna, com Educação e Saúde de qualidade, com soluções urbanas e níveis de violência que permitam às pessoas – homens, mulheres e transgêneros - caminhar pelas ruas a qualquer hora do dia e da noite, como é comum nos paíes verdadeiramente civilizados do globo.

O governo Dilma quase nada tem contribuído para a melhoria de tal quadro – ao contrário, com a crise e a insegurança que provoca, tem retrocedido. Sò que  isso também não é motivo para impeachment. De novo: a solução está no voto.


Impeachment: não à banalização
Porém, os motivos que me fazem ser contra o impeachment de Dilma, embora repute como muito ruim o seu governo, incluem e transcendem a constatação de que a ação da presidente não apresenta condutas que justifiquem, do ponto de vista legal, a invocação de impeachment.

O principal desses motivos é a convicção de que, como apregoa a Constituição, o impeachment é medida de extrema exceção, um ato ao qual só se deve recorrer em situações de indubitável excepecionalidade, como atitude comprovadamente criminosa do presidente no exercício do cargo ou algo de similar gravidade.

O recurso ao impeachment em qualquer outro contexto abre precedentes perigosos e tende a enfraquecer ainda mais a democracia brasileira, ainda tão precária em termos eleitorais, participativos e institucionais.

O próprio impeachment de Collor deu início a um jogo de derruba-presidentes do qual nenhum de seus antecessores se livrou (praticado inclusive pelo PT, na campanha “Fora FHC"). Foi péssimo para o país, pois, erigido em meio a guerras de dossiês, tomou o lugar do que deveria ser um debate de projetos e propostas.

Pouco mais de 20 anos depois, reeditar esse rito sumário seria enfraquecer ainda mais a democracia e o voto, açulando, nos anos seguintes, uma guerra política em torno não de agendas programáticas, mas de constrangimentos e armadilhas voltados a pressionar, chantagear e, no limite, decretar o impeachment dos presidentes vindouros. Um filme já visto, em eterno looping.


Cría Cuervos
Por fim, há uma razão propriamente partidária, menor, que me faz ser contra o impeachment de Dilma: o petismo, sobretudo após o “mensalão”, passou a difundir, como parte da estratégia desqualificadora que emprestou do neoconservadorismo e aplica a adversários, um discurso vitimizante, chamando de “golpista” a mídia, o Judiciário ou quem quer que critique, contrarie ou se oponha ao partido. A cada reação negativa que medidas de Lula ou Dilma provocam, os militantes veem um golpe de Estado.

Um eventual impeachment de Dilma iria tranformar em realidade a paranoia petista, perpetuando fantasmagorias e criando um mártir eterno para o partido e, a despeito da orientação social liberal dos governos petistas, também para certos setores que se dizem de esquerda. Há razões de sobra para supor que essa espécie de peronização da politica brasileira seria altamente nefasta, ao perpetuar mitos e, ainda que falsa, a mística da salvadora injustiçada.

Dilma é apenas uma presidente ruim em um péssimo momento, o qual até o jornalista e ex-porta-voz petista Ricardo Kotscho reconhece: “desde a sua posse para o segundo mandato, isolada e autossuficiente, a presidente tem conseguido errar 100%.” Não merece, portanto, ser brindada com um impeachment para que vire mártir. 

Não votei em Dilma e lamento pelos que o fizeram, mas há de se reconhecer que ela é a presidente legalmente eleita, em pleito internacionalmente reconhecido como honesto. 

Quem não está satisfeito pense melhor na próxima vez em que for votar.


(Imagem retirada daqui


segunda-feira, 9 de março de 2015

Petrolão e a crise do modelo bipolar

Um dos principais problemas de se viver em uma sociedade em que a política é polarizada, marcadamente dominada por duas forças partidárias – como ocorre no Brasil – é a ausência de nuances, ponderação e precisão.

Tão necessárias ao diagnóstico de problemas e da eficácia dos programas para combatê-los, tais considerações têm sido rotineiramente substituídas, nos fóruns políticos, por pareceres definitivos e incontrastáveis, ora de irrestrita apovação, ora de desqualificação (a principal tática retórica de nossos dias, que os marqueteiros políticos importaram do jornalismo neocon, tornando ainda mais despolitizadas e agressivas as campanhas eleitorais, como acabamos de testemunhar no pleito presidencial).

Instaura-se assim uma lógica binária fortemente contrastada, ou branco ou preto, sem espaço para as demais tonalidades, o cinza que muitas vezes melhor espelha o real. Isso, por sua vez, acaba por gerar um contágio, uma vicissitude no campo político, onde os graus de positividade ou negatividade dos eventos são forte e particularmente determinados pela perspectiva adotada pelo observador: mesmo os analistas que não professam nem o credo petista nem o dogma neoliberal dos tucanos acabam tendo, com raríssimas exceções, suas análises contaminadas por esse binarismo emocional e primário.



Décadas de bipolarização
Ao longo de mais de duas décadas de polarização entre PT e PSDB, multiplicam-se os exemplos do quanto tal dinâmica tem sido prejudicial ao debate político – sobretudo àquele mais interessado no avanço do país do que no sucesso ou fracasso desta ou daquela linha política, blog ou ego.

Atualmente, repete-se uma vez mais tal processo, no bojo do debate em torno da corrupção, com os escândalos do Petrolão e do HSBC mobilizando militantes que agem como torcedores fanatizados. Não disputam quem foi mais honesto, mas quem roubou menos, como se cada coincidência entre um tucano e um petista corruptos magicamente anulasse o “malfeito”, significasse equivalência e produzisse uma redução – e não um aumento – desse câncer que corrói a vida pública brasileira, com reflexos diretos na qualidade de vida que o Estado proporciona aos cidadãos e em nossa evolução como nação.

Tal estratégia negadora, que não passa de um truque de retórica, oculta, ainda, a natureza deveras diversa entre si dos escândalos do Petrolão e do HSBC – e o encaminhamento diferenciado que cada um deles requer.



Naturezas diversas
O caso da Petrobras é um exemplo “clássico” de corrupção, com corruptores bilionários de um lado - sendo pela primeira vez devidamente flagrados e processados - e gestores corruptos de outro, aparelhados em uma empresa estatal de capital aberto por partidos ou lideranças políticas. O X da questão é justamente a acusação de que tais entes políticos se benefeciaram diretamente das negociatas, recebendo quantias exorbitantes, no que seria, pelo volume de recursos financeiros, duração e grau de sistematização, o maior escândalo de corrupção do planeta.

O caso HSBC, embora também grave, é bem diferente, por tratar-se antes de indício de fraude fiscal - e, em decorrência, de suspeita de fundos obtidos de forma ilegal - do que de um caso tentacular de corrupção, delatado por depoimentos de envolvidos e corroborado por documentação. Mesmo porque, como o rigor jornalístico exige que se registre, não há absolutamente nada de errado em manter contas numeradas na Suíça, como fazem milionários e bilionários do mundo todo. Este blogueiro, se um dia vier a ganhar sozinho na Sena, certamente vai guardar parte do dinheiro lá, como medida de proteção contra a insegurança criminal e monetária reinante em nosso país. Ocorre, porém, que, no caso dos brasileiros, o montante lá guardado tem de ser declarado à Receita Federal – do contrário, o não-declarante estará cometendo crime fiscal. Sabe-se que ao menos algumas dezenas dos nomes da lista de correntistas que vazou incorreram em tal crime. Em relação a esses, sim, será necessário traçar a origem do dinheiro e investigar se se origina ou não de corrupção - e, em caso afirmativo, fazer valer o rigor da lei.



Petrolão: um escândalo da base aliada
Não é preciso muita expertise para se aperceber que os dois casos são de natureza e estágios de investigação bem diferentes, e que não há razâo objetiva para assumir que um anula o outro – pelo contrário, eles se somam como indicio (ou, eventualmente, provas) de ilegalidades e da forma endêmica como a corrupção manifesta-se no país.

O escândalo da Petrobras já avançou bem mais nas investigações. A primeira fornada de acusados, cujos nomes foram divulgados pelo STF na sexta, mostra o envolvimento profundo dos governos Lula e Dilma: dos 47 investigados, só três não pertencem a partidos da base aliada (mas sendo que um deles, o reincidente Fernando Collor, tem rotineiramente apoiado o governo).



Fora do mundo
Ainda assim, a militância virtual petista, cada vez mais desconectada da realidade, prefere martelar nas redes sociais o nome de Aécio Neves, cujas investigações foram arquivadas pela Procuradoria-Geral da República por falta de provas. Afinal, uma mentira, deveras repetida, em verdade se transforma, já disse um “filósofo” alemão. Por outro lado, e sem exceção, “passou desapercebido” a tal militância que a mesma PGR declarou, no âmbito da Operação Lava Jato, não poder investigar a presidente Dilma por "atos estranhos ao exercício de sua função", ou seja, devido a impedimento constitucional (e não a presunção de inocência); mas, no bojo da investigação sobre Antonio Palocci (PT/SP) efetivamente requisitou apuração sobre a arrecadação de recursos para a campanha presidencial de 2010. Curto e claro: o fato é que Dilma ainda está sob investigação; Aécio não.

Não obstante o envolvimento de 44 membros da base aliada no Petrolão, o petismo, assim como fizera no Mensalão, recusa qualquer autocrítica ou pedido público de desculpas por permitir (ou, na melhor das hipóteses, não se dar conta, o que denotaria grave incompetência) que vultosas quantias de dinheiro público fossem assacadas ilegalmente de uma empresa estatal de capital aberto para favorecer interesses individuais e políticos. Em vez de qualquer gesto que denote civismo, arrependimento e respeito pelo cidadão, o petismo no poder prefere adotar a estratégia apelativa e desavergonhada de tentar jogar no colo de um presidente que deixou o poder há bem mais de uma década, pois um dos depoentes afirma ter recebido propina já em sua gestão.



“Heranças malditas” e impunes
Ora, seria cômico se não fosse trágico: mais de 12 anos se passaram após FHC ter passado a faixa presidencial a Lula, o qual sempre afirmou ter recebido uma “herança maldita” mas jamais moveu uma palha para investigar a privataria tucana ou a alegada compra de votos para a eleição. Ao contrário: acovardou-se em nome da governabilidade, essa desculpa multiuso que o petismo utiliza para todo e qualquer retrocesso.

Agora, quando o esquema da Petrobras estoura e cobra-se o preço pela realpolitik por demais elástica que reabilitou Collor e prestigiou o PP de Maluf (partido líder em investigados na Lava-Jato, com 32 nomes), o governo procura descolar-se da aliança que o sustentou até aqui e fingir desconhecer o que acontecia na estatal nos últimos 12 anos, mesmo com Dilma tendo egressado da área energética e tendo presidido o conselho da estatal. Acredita quem quer.



Jogo pra plateia
Se as investigações levarem ao governo FHC é evidente que ele deve ser investigado e, se culpado, punido. Mas, como ocorre em qualquer lugar do mundo, prioriza-se a investigação do caso concreto e atual de corrupção, avançando-se retroativamente à medida que se punem os culpados, dos atuais aos mais antigos.

O jogo bipolar de troca de acusações e transferência de responsabilidades entre petistas e tucanos pode funcionar junto aos setores da militância de ambos os partidos que, espellhando seus dirigentes, abdicaram, há tempos, da fidelidade a coesão ideológica e programática e da capacidade de autocrítica, em prol de uma guerra diária onde o que conta é a capacidade de desqualificação do outro e o número de views e de curtidas obtido nos blogs e redes sociais.



Siameses
Mas, como aponta o sociológo Marcelo Castañeda, “A saída mais simples é dizer que todos os problemas começaram com o PSDB e FHC. Ao reforçar essa polarização perniciosa da representação, esvaziadora de qualquer debate e comprometedora da construção de outras vias, somos colocados cada vez mais num deserto de alternativas. (...) É hora de romper com o simplismo esquemático da polarização, que se perpetua como um moto contínuo entre dois lados que se definem pela negação belicosa do outro”

Com efeito, qualquer observador de bom senso apontaria, após duas décadas, o esgotamento tanto do modelo tucano quanto do modelo petista, mesmo porque, culminando com a volta da ortodoxia econômica via Joaquim Levy, esses dois polos se tornam, paradoxalmente, cada vez mais indistinguíveis um do outro – e não só em sua completa submissão aos desígnios do chamado “mercado financeiro”, mas no descompromisso com qualquer política de Estado concebida a partir de metas, parâmetros e diretrizes ideológicas claros, de curto, médio ou longo prazo. Exatamente do tipo que o Brasil desesperadamente precisa.