Uma das maneiras mais justas e eficazes de se avaliar um governo é comparar o país que recebeu de seu antecessor com o país que entregou a seu sucessor.
Por
esse critério, o primeiro governo Dilma foi péssimo: recebeu,
segundo a própria historiografia petista, um país eufórico, um
player ascendente no cenário global, com uma economia pungente, que
superara a quase-falência dos anos FHC e para a qual a crise mundial
não passara alegadamente de “uma marolinha”. Uma nação onde
toda uma classe social composta de dezenas de milhões de pessoas
acabara de ascender; um exemplo mundial de integração da pobreza e
de combate à miséria.
Entregou,
quatro anos depois, o que aí está: um país economicamente
estagnado, que mais uma vez, como fizera durante os ano 80 e 90,
sacrifica os direitos dos cidadãos em prol do pagamento de juros
bancários, com a condução da economia de novo entregue à sanha
ortodoxa dos neoliberais, aos quais o PT fora eleito para se
contrapor (mas que Dilma prefere acomodar na Fazenda).
Uma
nação trespassada pela corrupção, com sua maior empresa, estatal
de capital aberto, no pivô de um dos grandes escândalos da história
mundial, com consequências graves e diretas para a própria dinâmica
da economia industrial do país.
Um
território onde o misto de arcaismo e populismo na administração
dos recursos energéticos, somado ao absoluto desprezo pelas questões
ambientais leva, ao mesno tempo, a secas de efeitos catastróficos e
a inundações devastadoras.
Uma
pátria moralista, que enquanto o mundo debate a descriminalização
da maconha e a plena integração dos cidadãos e cidadãs à revelia
de sua sexualidade, vê crescer o preconceito religioso e a perigosa
união entre poder político e poder religioso, sob patrocinio
governamental.
Uma
terra de ninguém, onde direitos humanos só valem para certos
estratos socioeconômicos, enquanto os pobres são diariamente
aniquilados pela repressão periférica que orienta a ação das
polícias e os últimos índios vêm sendo exterminados de forma
incólume.
Mas,
para o bem ou para o mal – e a não ser que se prove de forma
documentada um envolvimento direto de Dilma no escândalo da
Petrobras – ser uma péssima governante, incoerente com o que
passou a vida defendendo e negligente até mesmo na área em que é
especialista não justificam o impeachment. O remédio contra tudo
isso são as eleições, escolhendo melhor em quem votar.
Mentiras
a granel
Os
argumentos contra Dilma, porém, não se restringem à sua inaptidão
administrativa: listam comportamentos impróprios a candidatos e
ocupantes da Presidência. Trata-se, por exemplo, de uma figura
pública que mente constantemente e sem sequer enrubescer: em sua
primeira campanha eleitoral, prometeu de forma reiterada (há
gravações em vídeo) não privatizar o Pré-Sal, mas, uma vez no
poder, o privatizou, e com marcos regulatórios fernandistas.
Na
segunda campanha, prometeu que não faria aquilo que afirmava que os
adversários fariam: atacar direitos dos trabalhadores. Empossada, já
no primeiro mês anunciou um brutal arrocho sobre direitos
previdênciários e trabalhistas, afetando justamente os mais pobres
com medidas referentes ao seguro-desemprego, ao seguro de pescadores e a pensão por morte.
Desde
o primeiro mandato, afirma, a cada discurso, priorizar a Educação,
mas qualquer pessoa da área sabe não passar de truque retórico,
dela e de seus marqueteiros, cientes de que o povo valoriza o
investimento em tal atividade.
A
realidade é bem outra: os professores universitários vêm sendo
mantidos a páo e água, sem um aumento sequer, desde que ousaram
recorrer ao direito de greve para protestar; as “novas”
universidades servem de ilustração contemporânea ao dito de
Lévi-Strauss (“aqui tudo parece que é ainda construção, mas já
é ruína”), com suas salas inacabadas, laboratórios improvisados
em contêineres, goteiras, ausência de climatização em regiões
tórridas, número abusivo de professores substitutos e absoluto
desleixo com o acervo das bibliotecas.
O
Ciência Sem Fronteiras, truque de marketing em que, sem a mínima
justificação pedagógica, graduandos iam fazer “turismo
educacional” no exterior, e o FIES, programa questionável já em
sua concepção, ao transferir vultosos recursos públicos a
universidades particulares - muitas de qualidade pra lá de duvidável -,
sofrem agora cortes abruptos e repentinos, frustrando dezenas de
milhares de estudantes aos quais fora garantido expectativa de
acesso.
Apesar
desse cenário de caos, Dilma não hesita em fazer divulgar o slogan
“Pátria Educadora”, num momento em que o arrocho determinado por
Levy faz com que, nas federais, falte água, papel higiênico e até
verba para as contas de energia elétrica e os serviços
terceirizados de limpeza e segurança.
Mas,
uma vez mais, é preciso reconhecer: para o bem ou para o mal, ser
uma mentirosa contumaz, entregar o nosso petróleo e promover uma
manipulação cosmética da Educação não são motivos para
impeachment.
Impunidade eleitoral
Talvez já passe da hora de se rever a respectiva legislação e de a Justiça Eleitoral assumir uma atitude mais pró-ativa nos pleitos, coibindo as desqualificações agressivas e mentirosas que vimos nas últimas eleições e adotando medidas para impedir que um candidato se comprometa a não fazer o que alega que seus concorrentes fariam e, no poder, um mês depois, vir a fazer exatamente isto, sem que o cenário tenha drasticamente mudado.
Impunidade eleitoral
Talvez já passe da hora de se rever a respectiva legislação e de a Justiça Eleitoral assumir uma atitude mais pró-ativa nos pleitos, coibindo as desqualificações agressivas e mentirosas que vimos nas últimas eleições e adotando medidas para impedir que um candidato se comprometa a não fazer o que alega que seus concorrentes fariam e, no poder, um mês depois, vir a fazer exatamente isto, sem que o cenário tenha drasticamente mudado.
Alguns
qualificam tal atitude como estelionato eleitoral. Mas, por enquanto,
as leis e a justiça eleitorais não punem tais trasngressões, o que
dizer com impeachment. Portanto, contra tais males, o remédio segue
sendo o voto.
Para
além do aqui-agora
A
ausência de projetos de médio e longo prazos, preteridos em prol de
um improviso constante, frutoso quando a economia ajuda, socialmente
cruel em períodos de vacas magras, como o atual, tampouco são
motivos para impeachment. Se tais projetos não passarem a compor a
pauta governamental, e logo, dificilmente o Brasil poderá voltar a
sonhar, no curto prazo, em ser uma nação bem-sucedida, ou seja, com menos
desigualdade interna, com Educação e Saúde de qualidade, com
soluções urbanas e níveis de violência que permitam às pessoas –
homens, mulheres e transgêneros - caminhar pelas ruas a qualquer
hora do dia e da noite, como é comum nos paíes verdadeiramente
civilizados do globo.
O governo Dilma quase nada tem contribuído para a melhoria de tal quadro – ao contrário, com a crise e a insegurança que provoca, tem retrocedido. Sò que isso também não é motivo para impeachment. De novo: a solução está no voto.
Impeachment:
não à banalização
Porém,
os motivos que me fazem ser contra o impeachment de Dilma, embora
repute como muito ruim o seu governo, incluem e transcendem a
constatação de que a ação da presidente não apresenta condutas
que justifiquem, do ponto de vista legal, a invocação de
impeachment.
O
principal desses motivos é a convicção de que, como apregoa a
Constituição, o impeachment é medida de extrema exceção, um ato
ao qual só se deve recorrer em situações de indubitável
excepecionalidade, como atitude comprovadamente criminosa do
presidente no exercício do cargo ou algo de similar gravidade.
O
recurso ao impeachment em qualquer outro contexto abre precedentes
perigosos e tende a enfraquecer ainda mais a democracia brasileira,
ainda tão precária em termos eleitorais, participativos e
institucionais.
O
próprio impeachment de Collor deu início a um jogo de
derruba-presidentes do qual nenhum de seus antecessores se livrou
(praticado inclusive pelo PT, na campanha “Fora FHC"). Foi
péssimo para o país, pois, erigido em meio a guerras de dossiês,
tomou o lugar do que deveria ser um debate de projetos e propostas.
Pouco
mais de 20 anos depois, reeditar esse rito sumário seria enfraquecer
ainda mais a democracia e o voto, açulando, nos anos seguintes, uma
guerra política em torno não de agendas programáticas, mas de
constrangimentos e armadilhas voltados a pressionar, chantagear e, no
limite, decretar o impeachment dos presidentes vindouros. Um filme já
visto, em eterno looping.
Cría
Cuervos
Por
fim, há uma razão propriamente partidária, menor, que me faz ser
contra o impeachment de Dilma: o petismo, sobretudo após o
“mensalão”, passou a difundir, como parte da estratégia
desqualificadora que emprestou do neoconservadorismo e aplica a adversários, um discurso vitimizante,
chamando de “golpista” a mídia, o Judiciário ou quem quer que
critique, contrarie ou se oponha ao partido. A cada reação negativa que medidas de Lula ou Dilma provocam, os militantes veem
um golpe de Estado.
Um
eventual impeachment de Dilma iria tranformar em realidade a paranoia
petista, perpetuando fantasmagorias e criando um mártir eterno para
o partido e, a despeito da orientação social liberal dos governos
petistas, também para certos setores que se dizem de esquerda. Há
razões de sobra para supor que essa espécie de peronização da
politica brasileira seria altamente nefasta, ao perpetuar mitos e,
ainda que falsa, a mística da salvadora injustiçada.
Dilma
é apenas uma presidente ruim em um péssimo momento, o qual até o
jornalista e ex-porta-voz petista Ricardo Kotscho reconhece: “desde a sua posse
para o segundo mandato, isolada e autossuficiente, a presidente tem
conseguido errar 100%.” Não merece, portanto, ser brindada com um
impeachment para que vire mártir.
Não
votei em Dilma e lamento pelos que o fizeram, mas há de se reconhecer
que ela é a presidente legalmente eleita, em pleito
internacionalmente reconhecido como honesto.
Quem não está satisfeito pense melhor na próxima vez em que for votar.
Quem não está satisfeito pense melhor na próxima vez em que for votar.
(Imagem retirada daqui)
4 comentários:
Um texto sensato como raramente podemos ver por aí. Bem ressaltado quando você diz sobre um abalo na democratização caso o impeachment ocorra. Abrçs
queria publicar no g+, mas não tem a opção...
Obrigado pelo comentário
Amanhã vou providenciar o acesso ao G+
Abs,
Mauricio.
Concordo plenamente, a democracia deve ser fortalecida, fato o qual, o impeachment não fará. A soberania é do povo e exercida por meio do voto, então, temos que aprender a usar de forma mais qualificada o voto, elemento maior da democracia.
Postar um comentário