A eleição de Eduardo
Cunha (PMDB/RJ) para a presidência da Câmara dos Deputados marca a
expansão, para o campo político, da profunda crise que vem
caracterizando o início do segundo mandato de Dilma Rousseff. Vem
somar-se à queda generalizada dos índices econômicos, ao retorno da crise energética e ao estopim
da sensação de corrupção, deflagrado pelas denúncias do
Petrolão.
Desta feita, porém,
não se pode usar o subterfúgio de aludir a uma suposta crise
econômica mundial – que na vida real atingiu seu ápice em 2008, e
foi considerada por Lula “uma marolinha” - para disfarçar o
malogro da estratégia do grupo palaciano liderado por Aloizio
Mercadante. Em seu intento de conquistar a presidência da Câmara
alijando o “aliado” PMDB, o trio formado por Mercadante, Pepe
Vargas e Miguel Rossetto não só foi derrotado por Cunha, como
deixou o PT, pela primeira vez desde 2002, sem nenhuma das 11
cadeiras da direção da Casa – o que fez até mesmo o jornalista
petista Ricardo Kotscho perder a paciência e, em um artigo intitulado "E agora, Dilma? Tudo ou nada leva à solidão política", falar em "humilhanrte derrota" e condenar o amadorismo político da “tropa de
choque dos trapalhões”.
Futuro incerto
São imprevisíveis,
para o futuro do governo Dilma, as consequências da eleição de
Cunha, um arrivista sem freios, representante do conservadorismo
religioso e inimigo de longa data da mandatária, a quem chegou a
ameaçar explicitamente durante a campanha pela presidência da
Câmara. Empossado, terá, na prática, o poder de determinar o que
será ou não votado, e em que ordem.
Com isso, na melhor das
hipóteses, Dilma terá de ceder ainda mais aos setores mais
fisiológicos do PMDB e do baixo clero da Câmara; na pior, e a
depender do desenrolar do Petrolão, a aceitação de um pedido de
impeachment contra a presidente dependerá de decisão do desafeto.
(Por outro lado, paradoxalmente, o envolvimento do próprio Cunha no
escândalo da Petrobras seria a melhor chance, no curto prazo, de o
Planalto desidratá-lo politicamente.)
Robin Wood às
avessas
Já quanto aos efeitos
das medidas tomadas por Dilma para tentar colocar a economia nos
eixos não há imprevisibilidade: nenhuma delas sequer roça o bolso
de latifundiários, banqueiros, herdeiros ou donos de grandes
fortunas. Pelo contrário, elas tornam ainda mais precária a
existência de desempregados – dificultando o acesso ao
seguro-desemprego – e de viúvas(os), com alterações no regime
beneficiário que violam de forma flagrante direitos adquiridos –
pois incidem retroativamente, um escândalo jurídico que o Brasil
acostumou-se a aceitar bovinamente.
Ao diminuir o tempo de
recebimento de aposentadorias para várias faixas etárias, as
medidas tomadas por Dilma acabarão, no médio prazo, por agravar o
fenômeno da velhice desamparada previsto para as próximas décadas,
já que muitos deixarão de receber o benefício quando já tiverem
idade avançada, num flagrante e cruel contrasenso. Nem FHC ousou
meter a mão na aposentadoria da patuleia de forma tão descarada.
Projeções e
negações
Ante esse tenebroso
início de segundo mandato, incompatível com um governo que se diz
de centro-esquerda (ou mesmo de centro), tornam-se cada vez mais
frequentes as manifestações de arrepedimento de quem votou em
Dilma, e o sumiço da outrora entusiasmada militância petista nas
redes sociais já virou motivo de chacota. Ainda assim, há os que continuam defendendo o voto na candidata que agora, pela
segunda vez, age de forma contrária à que apregoara na campanha
eleitoral (já o fizera no primeiro mandato em relação à
privatizaçáo do Pré-Sal). Dentre estes, uma justificativa recorrente é
a alegação de que com Aécio seria pior.
Trata-se de de um
exercício vão de futurismo, com tal impossível de ser empiricamente
verificado. No segundo turno, Aécio firmara acordos com Marina Silva
e com o PV de Eduardo Jorge, entre outros partidos menores. Se os
cumprisse, sua gestão seria bem melhor que a de Dilma no que se
refere a desenvolvimento sustentável, meio ambiente, mobilidade
urbana e políticas de gênero. Mas, é claro, há a possibilidade de
que ele agisse como Dilma e cometesse estelionato eleitoral (como ela
o faz, entre vários e estrepitosos exemplos, ao se comprometer, na
campanha, a priorizar a Educação e fazer do Brasil a “Pátria
Educadora” para, empossada, cortar R$7,1 bi do orçamento da pasta,
porporcionalmente a área mais afetada por suas medidas de contenção
de despesas).
O fato de a traição
eleitoral de Dilma ser um fato – ao atacar direitos trabalhistas,
na Educação, no descaso continuado com a homofobia, entre outros
temas – e a de Aécio uma mera possibilidade é uma diferença que
sequer tem sido aventada pelos cada vez menos entusiasmados e
quantitativamente descrecentes apoiadores da petista.
Oposição enfraquecida
Há, porém, uma
diferença entre o estado de coisas do segundo governo Dilma e o que
aconteceria numa eventual eleição de Aécio que supera a mera
projeção. Pode-se afirmar, sem espaço para a hesitação, que se
Aécio tomasse as mesmíssimas medidas que Dilma II tomou até agora,
as redes sociais estariam fervendo de fúria oposicionista, e esta
possivelmente logo transbordaria para as ruas. Uma forte oposição
se adensaria em um período relativamente curto.
Com Dilma, ao
contrário: persiste um silêncio conivente enquanto ela viola
direitos previdenciários dos pobres, mente e precariza a Educação.
Temperada aqui e ali pelo fanatismo dos chamados “blogueiros
progressistas” - cada vez mais despidos de espírito crítico e
atuando como mera linha auxiliar do petismo -, tal atitude evidencia
o quão maléfica é, para o país, a transformação do petismo em
uma espécie de seita, despida de autocrítica e que seus adeptos veem
como infalível, cujos interesses têm sido, na prática, colocados
acima dos interesses do povo e do país.
O preço do
dogmatismo
A própria releição
de Dilma, num momento em que o quadro de deteriorização geral ora
vigente já se delineara com nitidez para os que não se recusaram a
encarar a realidade, deriva, em parte, desse cadinho de cultura onde
o petismo se apresenta como uma opção dogmática, para além (ou
aquém) dos fatos – como o que Dilma recebeu um de Lula um país em
muito melhores condições do que este recebera de FHC, mas o
entregara bem pior.
As duras medidas
econômicas e a crise energética, não obstante sua gravidade, são
apenas duas das provas a corroborar tal afirmativa, entre outros tantos
alarmes negligenciados durante o primeiro mandato, como o aumento
exponencial na frequência do suicídio de índios, os recordes de
desmatamento, as denúncias sobre o processo de sucateamento das
universidades federais, na contramão do discurso triunfalista de
democratização do acesso à universidade (como se isso, sem o
correspondente investimento em professores, salas, laboratórios,
bibliotecas e livros bastasse).
Ação restrita
O resultado desse
dogmatismo, hoje, cobra um preço caro. Uma presidente lame duck,
como dizem nos EUA quando querem se referir a um político de poder
apenas aparente, alvejado, fadado ao fracasso. Até onde a vista
alcança, esta é a situação de Dilma.
Não
quer necessariamente dizer que ela não possa revertê-la – ao
menos para a única coisa que realmente importa para o petismo já
há um bom tempo, as vitórias eleitorais. Mas parece quase
impossível que, com o modelo de desenvolvimento e as práticas
políticas e econômicas adotadas, somadas ao grau de percepção que
grande parte da população tem da relação entre petismo e
corrupção, e completadas com a banalização das traições
eleitorais e a insensibilidade social recente, Dilma logre reerguer
nacionalmente o PT como uma força política coerente, programática,
e em direta comunicação com a população.
Destino
dos sem-povo
FHC
tratou de enterrar, por décadas, as chances presidenciais do PSDB,
levando consigo qualquer perfil social-democrata que o partido
tenha um dia encarnado. É bem provável que até a hegemonia
regional do partido em São Paulo chegue ao fim após o inacreditável show de
hipocrisia, oportunismo eleitoral, desleixo administrativo e
insensibilidade social proporcionado por Geraldo Alckmin na gestão
da crise hídrica.
PSDB
e PT vêm sendo, de um tempo pra cá, termos intercambiáveis, num
Fla-Flu em que se equivalem e se anulam em suas cada vez menos
perceptíveis diferenças. E a não ser que algo de absolutamente
extraordinário aconteça, caberá a Dilma, com seu autoritarismo,
sua absoluta ausência de autocrítica, seu pragmatismo despido de
considerações ideológicas, o papel de coveira do petismo.
Amanhã
Seria,
hoje, motivo auspicioso, de comemoração, não fosse o fato que,
imerecidamente, os erros do petismo respingaram e serão, por um
longo tempo, atribuídos à esquerda. Mesmo que uma verdadeira
esquerda, no Brasil atual, ainda esteja pra nascer.
(Imagem retirada daqui)
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