A
candidatura de Marina Silva demonstra, neste momento, um grande poder
de resistência, após duas semanas de incessante bombardeio: de um
lado, a mídia corporativa que apoia Aécio Neves, com manchetes
diárias; de outro, o petismo, com um exército de ativistas
empenhados em um vale-tudo cujo objetivo maior não é divulgar as
próprias propostas, mas desqualificar, assassinando a reputação da
ex-aliada.
Em
termos eleitorais, o resultado de quinze dias de baixaria é, até
agora, pífio: Marina mantém, nas pesquisas, os mesmos percentuais
de voto e Dilma oscilou um misero pontinho acima, no que foi saudado
pelo militontismo delirante como “recuperação” e “virada de
jogo”. Voltemos ao mundo real: no segundo turno, os prognósticos
continuam sendo de uma avassaladora vitória da candidata do PSB, por
10 pontos de vantagem.
Contra
o feiticeiro
Os
especialistas em eleição costumam afirmar que o eleitor brasileiro
não gosta de ataques baixos, os quais tenderiam a lhe parecer antes
fraqueza de quem ataca, gerando resultados nulos ou mesmo
contraproducentes. Esta seria uma possível explicação para a
ineficácia do pega-pra-capar contra Marina aplicado diuturnamente,
sem descanso, pela grande mídia e pelos ativistas petistas,
alegadamente tão antagônicos entre si, mas idênticos nos métodos
baixos que os últimos outrora condenavam.
Outro
modo de explicar tal fenômeno seria a de que o eleitor já se deu
conta de que basta uma breve mirada histórica para constatar que os
petistas, após 12 anos no poder, não têm moral para fazer as
acusações que fazem a Marina. Por exemplo, como pode a candidata
Dilma acusar sua adversária de ser “o novo Collor” se este,
apesar de seu passado na Presidência e de todo o despudor com que
manipulou eleitoralmente a filha de Lula contra o ex-presidente, é
hoje um aliado preferencial do Planalto?
Amnésia
seletiva
Como
pode a campanha do PT tentar difamar Marina por esta defender um
Banco Central independente, se nos oito anos do governo Lula tal
independência foi rigorosamente obedecida, e por imposição
internacional? (foi uma das exigências dos EUA para avalizar um
empréstimo-ponte acordado por FHC e Lula em Washington, como forma
de evitar que o petista recebesse, em janeiro de 2003, um país
quebrado. A escolha do nome de Henrique Meirelles foi parte do
acordo).
Como
pode a campanha dilmista pretender acusar Marina de submissão ao
poder religioso, se um dos traços distintivos do governo Dilma foi o
extremo conservadorismo das políticas de gênero e comportamentais
ditado justamente pelo acordo com a bancada evangélica, responsável
por episódios lamentáveis como o veto ao “kit-gay”?
A
campanha petista pensa que os eleitores são idiotas, que esqueceram
que o PT permitiu ao “pastor” ultraconservador Marcos Feliciano
presidir a comissão de Direitos Humanos da Câmara, numa
demonstração acintosa do desprezo de Dilma Rousseff por tal tema?
Ou que evaporou da memória do eleitorado a presença oficial da
presidente Dilma na inauguração do templo faraônico da igreja do
“bispo” e dono de império de comunicação Edir Macedo?
Dilma
Duarte
Em
mais uma prova de que história só se repete como farsa, o PT
reedita, neste momento, a campanha do medo da qual foi alvo em 2002.
Desta feita, com a própria Dilma encarnando a Regina Duarte da vez.
Bradam que as conquistas sociais estão sob ameaça e que a politica
econômica, sob Marina, será um retrocesso ao neoliberalismo.
Trata-se
de uma dupla inverdade. Em primeiro lugar, porque Marina Silva, além
de manter os programas de transferência de renda que começaram,
foquistas, com FHC e se avolumaram consideravelmente com Lula e
Dilma, vai restabelecer interlocução e assistência a setores da
população que o próprio modelo “Brasil Grande” de
desenvolvimento adotado por Dilma alijou e alienou. É o caso,
notoriamente, dos indígenas e das populações nativas da Amazônia,
dos setores da juventude e da classe média que não se identificam
com o petismo e são sacrificados pelo modelo econômico adotado (que
beneficia a base e o topo da pirâmide socioeconômica), bem como
pelos manifestantes que tomaram as ruas do país a partir de junho de
2013 e que o petismo primeiro renegou, depois tentou cooptar, e por
fim reprimiu brutalmente, aludindo a teorias conspiratórias e sem
sequer entender do que se tratava.
Truques
econômicos
Em
segundo lugar, porque entre o programa da candidata do PSB relativo à economia e a
política econômica dos 12 anos de petismo no poder não dá pra
espetar um alfinete: são rigorosamente iguais. Não há uma só
proposta relativa a tal área, no Programa de Governo do PSB, que
Lula ou Dilma não tenham adotado em algum momento.
A
crise econômica, cuja prova mais evidente é o fato de estarmos em
recessão técnica e com PIB abaixo de um por cento, não é fruto de
eventual heterodoxia, mas das barbeiragens da equipe econômica do
governo Dilma, que no bojo de um modelo de desenvolvimento arcaico e
predatório, insiste em um padrão esgotado de estímulo ao consumo e
de concessão de isenção fiscal sem exigir contrapartida por parte
dos setores beneficiados – notadamente, o automobilístico e o
imobiliário. E, justamente por sua falta de coragem em confrontar o
mercado e oferecer uma alternativa ao modelito neoliberal, prefere
renegar a todo instante segui-lo, ainda que para tal faça uso de maquiagem de índices e de truques internos ora sob
investigação do Ministério Público.
Tudo
pelo poder
A
atual campanha ilustra de forma explicita o messianismo, o fanatismo
e o apego extremo ao poder que são hoje, características
distintivas do petismo. A um processo de negação da crise econômica
atual e dos diversos aspectos negativos que, em longos 12 anos de
administração, não tiveram competência de mitigar, soma-se a
tendência a se autoatribuírem a exclusividade na concessão de
benefícios sociais e em governarem para a sociedade. O maior triunfo
do petismo é multiplicar a fortuna das elites financeiras e agrárias
e, ao mesmo tempo e mesmo assim, convencer a tantos que é uma força
de esquerda.
Essa
conversa mole pode funcionar entre fanáticos da seita, entre
ativistas virtuais remunerados e blogueiros temerosos de perderem o
patrocínio de estatais, mas não resiste ao exame rigoroso dos
fatos. O PT é hoje um partido preso a alianças elásticas (e
aos compromissos que elas trazem), a ponto de se descaracterizar como
força da esquerda. Adotou uma ética tão flexível que nem o
trauma do “Mensalão” foi capaz de provocar uma revisão das
práticas e de sua axiologia de forma a resgatar os
valores de suas primeiras décadas de existência, sacrificados em
prol de um ultrapragmatismo em que o que interessa é o poder pelo
poder, não importa a que preço.
Maniqueísmo
Os
adversários, alvo de artilharia pesada, são caricaturalmente
tipificados de acordo com um maniqueísmo tão irreal quanto pouco
inteligente. A caracterização que ora fazem de Marina Silva parece
saída de um conto de fadas ruim: maléfica, pérfida, arrogante,
hesitante, fanática. Em pleno 2014, nem uma criança acreditaria em
uma personagem tão desprovida de nuances ou qualidades.
Há
de se perguntar como tal bruxa repugnante pôde fazer parte da
história petista por tantas décadas e com tanto destaque, sendo uma
internacionalmente reconhecida ministra do Meio Ambiente nos sete
anos que serviu ao governo Lula e chegando a disputar com Dilma a
preferência como sucessora deste. Que mudança terrível em tão
pouco tempo teria afligido a criatura?!
Sem medo do debate
Desacostumados,
na última década, do saudável exercício da autocrítica,
substituído pela transferência automática de culpas à mídia (que
covardemente se recusaram a regulamentar) ou a Joaquim Barbosa e aos
ministros do STF que condenaram os réus do “Mensalão” (em sua
maioria, por Lula e Dilma nomeados), os petistas passaram a se
assemelhar, cada vez mais, a uma seita, baseada em dogmas e
fanatismo, mas não na leitura criteriosa do fatos e na prática
ética da politica. Pois nesta, propostas, diálogo e respeito aos
demais candidatos e eleitores se sobrepõem aos ataques
desqualificadores.
Enquanto
a baixaria petista corre solta, num desserviço às práticas
políticas no país e às eleições, Marina Slva segue fazendo uma campanha sóbria, baseada em programas, sem ataques
desqualificadores e comparecendo às entrevistas e debates, de modo a debater suas propostas. Pode-se ou não identificar-se com elas
e na candidata votar - isso é uma decisão que pertence a alçada individual -, mas há de se reconhecer que se Dilma e o PT fizessem o mesmo, ao invés de só
lançarem pedras, teríamos um confronto de ideias e de programas digno
de uma democracia. Não é o caso.
(Imagem retirada daqui)
3 comentários:
Muito bom, disse tudo!
Obrigado, Gunter!
Concordo com tudo! Eu assino embaixo!
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