Um dos traços mais
marcantes do debate público sobre política, no Brasil, tem sido a
proliferação de boatos, ataques pessoais e preconceitos diversos,
em detrimento da discussão de temas urgentes e concretos, associados
a questões propriamente políticas, aos modelos adotados e suas
alternativas e no que implicam para o nosso futuro como nação.
É fácil constatar tal
processo: basta consultar as redes sociais ou puxar conversa
aleatoriamente nas ruas para que cresça a possibilidade de nos
defrontarmos com "fatos políticos" como a transformação
de Lula de cachaceiro em milionário global (sendo que não há
provas de que ele seja nem uma coisa, nem outra), de seu filho em
dono de frigoríficos e corporações telefônicas, ou com a certeza,
baseada no mero achismo, de que o PT é o partido que mais roubou em
toda a história republicana.
Ao assim agir, a
oposição trabalha contra si e facilita tremendamente a manutenção
da hegemonia eleitoral petista, pois deixa de apresentar programas e
projetos para o país, preferindo apostar em uma boataria difamatória
que pode ate servir de válvula de escape para suas frustrações e
preconceitos de classe, mas, justamente por seu vazio programático,
é eleitoralmente inócua. Pior: ao apostar no escândalo moralista,
perde-se a chance de apontar os muitos e graves erros do governo
Dilma, que se tornam cada vez mais evidentes a parcelas do
eleitorado, como mostram as pesquisas.
Por outro lado, nos
escaninhos virtuais governistas e entre os petistas em geral,
proliferam, como método prioritário de ação política, as outrora
criticadas desqualificações pessoais de críticos e oposicionistas
(mesmo dos que até ontem de manhã eram parceiros do partido). Isso,
por sua vez, leva à repetição, em sentido inverso, do tipo de
ataques acima citados, com a proliferação das acusações de que
Aécio Neves seria um bêbado e cocainômano e caricaturando Marina
Silva como uma fanática religiosa a soldo do Itaú (como se a
presença – e o poder decisório - de religiosos não fosse imensa
no governo Dilma e a candidatura desta não tivesse entre seus
patrocinadores grandes bancos, inclusive o Itaú, terceiro maior
apoiador em 2010).
Para agravar a
situação, a necessária autocrítica petista deu, há tempos, lugar
à eleição da mídia como bode expiatório para toda e qualquer
acusação ou má avaliação que envolva o atual governo, deixando
de levar em conta que foi Dilma quem deliberadamente optou por não
promover a regularização da mídia, guardando na gaveta o projeto
que Franklin Martins lhe entregara pronto e preferindo ingenuamente
tentar cooptar os veículos corporativos com afagos institucionais e
polpudas verbas da Secom.
Quem perde nesse jogo
viciado entre governo e oposição é o país e seus cidadãos, de
ordinário já submetidos, nas últimas décadas, a um processo de
hegemonia do marketing na politica
que tende a dissimular o programático e o ideológico em prol da
transformação dos candidatos em embalagem e produto. Vide "Collor,
o caçador de marajás" e "Lulinha paz e amor".
No
entanto, após mais de 11 aos de petismo o poder – período mais do
que suficiente para que o improviso fosse substituído por medidas
planejadas -, há muitas e sérias questões cujo debate, preterido
pela boataria ofensiva e pelo jogo de desqualificações acima
descrito, mostra-se, neste momento, de fundamental importância.
Abaixo,
dez questões cuja discussão acrescentaria muito ao debate
pré-eleitoral, ao contrário do que acontece se o país continuar a
discutir se Lulinha é dono da Friboi ou se Eduardo Campos é filho
de Chico Buarque de Hollanda:
1)
Por que, após décadas de grande melhoria, os índices de
analfabetismo infantil voltaram a crescer durante o governo Dilma,
que alega priorizar a Educação e cujos programas de renda mínima
exigem que os filhos sejam mantidos na escola?
2)
A gestão da Saúde, após 11 anos, mostra-se incapaz, por um lado,
de aperfeiçoar a qualidade e expandir o atendimento prestado pelo
SUS; por outro, os planos de saúde estão mais caros do que nunca,
custam a muitos pacientes idosos mais da metade de seus rendimentos
e frequentemente exigem que o paciente recorra à Justiça para ter
acesso a procedimentos um pouco mais caros. A tal quadro o governo
contrapõe o Mais Médicos, que espalhou mais de 13.000 médicos por
áreas remotas para prestar atendimento básico. Devemos estar
satisfeitos com tal "modelo" de gerenciamento da saúde
pública?
3)
Ao menos desde o final da ditadura, o direito constitucional de
protestar vinha sendo respeitado no país, com exceção de um ou
outro governador tucano que usava a PM para reprimir manifestações.
A partir de junho do ano passado, todo e qualquer protesto público
vem sendo reprimido com violência policial, sendo que o governo
Dilma tem sido pródigo em colaborar para tal quadro, inclusive com
o envio da Força Nacional para reprimir manifestantes. Devemos
aceitar passivamente tal afronta a direitos constitucionais?
4)
De modo similar, o governo Dilma vem, desde o início, recusando
qualquer diálogo com grevistas e com o movimento sindical, não
raro reprimindo-os com violência física, como fez com os
professores universitários em 2012. É esse modelo de
relacionamento do poder com reivindicações trabalhistas que
queremos para o país?
5)
Os índios vêm sendo vítimas de um verdadeiro genocídio nos
governos Lula e Dilma. Por um lado, isso se dá graças ao modelo
arcaico de desenvolvimento baseado no consumo e em enormes
hidrelétricas; por outro, em decorrência da aliança entre o
governo e grandes latifundiários. O resultado é o menor índice
de demarcação de terras desde os anos 1970 e um aumento de 271% no
número de mortes de indígenas durante as presidências petistas. É
assim que queremos que os índios brasileiros sejam tratados?
6)
Embora o governo alegue que a inflação está sob controle, há
uma sensação disseminada de que os preços dispararam, renovada a
cada ida ao supermercado, a cada viagem, a cada refeição em
restaurante. Isso se deve, em grande parte, à maquiagem que o
governo aplica ao cálculo dos índices inflacionários,
manipulando-os de forma a baixá-los artificialmente. Além disso, é
público e notório que, por razões eleitorais, o governo Dilma
está segurando os preços de combustíveis e energia elétrica, num
procedimento que gera tensão inflacionária constante e deve
provocar estouro de custos ao consumidor em 2015. É saudável esse
grau de falseamento de índices recorrente no governo Dilma ou seria
desejável que estes refletissem com fidelidade o aumento dos
preços?
7)
De modo análogo, há uma acentuada discrepância entre o "pleno
emprego" comemorado pelo governo, os índices do DIEESE (nos
quais o PT sempre se baseara antes de assomar ao poder, e cujos
índices atuais são o dobro do IBGE) e a sensação geral quanto ao
tema (quase todo mundo conhece muitas pessoas desempregadas). Ao
contrário do que apregoa o senso comum, pesquisas independentes
mostram que, no Brasil atual, quanto mais qualificado o
profissional, menores as chances de ele conseguir emprego. Para além
dos índices oficiais, qual é a realidade do mercado de trabalho na
era petista?
8)
A mídia brasileira segue sendo uma das mais concentradas do mundo,
nas mãos de seis famílias que praticamente a monopolizam. O
Direito de Resposta foi abolido pelo STF e o partidarismo e
a difamação grassam nas rádios e TVs, que são concessões públicas
sujeitas constitucionalmente à obediência a certos preceitos, como
o caráter educativo. Na imensa maioria dos países desenvolvidos, a
adoção de parâmetros que regularizam a atividade midiática é
prática estabelecida, sedo que Argentina e Inglaterra criaram
recentemente legislações específicas a esse respeito. Como
avaliar a inação petista ante tal questão?
9)
O governo Dilma alega priorizar a Educação, e o fato que
corroboraria tal afirmação seria, segundo ela, a expansão do
ensino superior, cuja disponibilidade de vagas praticamente dobrou
desde 2002. Porém há quem sustente - lembrando o exemplo do
ensino secundário durante a ditadura - que dobrar o número de
alunos sem o correspondente aumento da contratação de professores
equivale ao sucateamento do sistema educacional. E antigas e novas universidades apresentam deficiências
estruturais, como goteiras, falta de carteiras e ausência de bibliotecas/enorme defasagem de acervo. Além disso, permanecem intocáveis velhos problemas
da universidade brasileira, como os concursos fraudados, os professores e funcionários fantasmas e a
privatização disfarçada de serviços. Como avaliar a política
petista para as universidades?
10) O incremento da democracia participativa foi uma das principais reivindicações das Jornadas de Junho. No entanto, embora ela fizesse parte das práticas do velho PT, foi preterida pelo governo Dilma em prol de uma gestão pública extremamente personalista e centrada, que pouco delega a assessores e não estabelece nenhuma forma direta de participação popular, quanto mais em âmbito decisório. É a manutenção desse modelo arcaico de democracia que queremos para o país?
Um comentário:
Interessante suas posiçoes. Vamos ver o que os outros candidatos tem a dizer, ja que vc ja sabe tudo a respeito da Dilma. Ou estes subsidios para o debate excluem as posiçoes da situaçao? Gostaria de ver sua participaçao perguntando diretamente aos candidatos, pois estas questoes sao realmente importantes para a populaçao...
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