Os primeiros tempos foram duros. De início, como fazia no Brasil, sobreviveu como faxineira – porém melhor remunerada. Depois foi camelô, enrabichou-se com um português com o qual aprendeu artes da cozinha e agruras do fogão; casou, descasou. Aos 42 anos passou a conseguir, pela primeira vez na vida, chegar ao final do mês no azul: abrira uma loja de lingerie, que prosperou ao mesmo tempo em que Portugal, ingressando na Comunidade Econômica Europeia, assistia ao maior e mais veloz crescimento econômico de sua história.
Há dois anos, porém, sobreveio a grave crise mundial trazida no bojo do estouro da bolha de hipotecas nos EUA. No início ela tentou resistir, tentou diversificar o mostruário, crente de que o mau momento se devia à concorrência com os chineses – que, segundo ela, vendem lingerie de péssima qualidade a 1 euro a peça.
Em vão. Cortou despesas, dispensou funcionários. As últimas esperanças, depositadas nas vendas de fim de ano, não lograram: estava pagando para trabalhar. Em fevereiro deste ano ela fechou as portas. Agora reveza-se entre as casas dos filhos, esperando a poeira baixar para começar de novo.
Cenário desolador
A história de Luzete é, com uma ou outra variação, recorrente em Portugal. Em Lisboa, as zonas comerciais ao longo da Beira-mar ostentam um número impressionante de portas cerradas em pleno dia, que conferem uma atmosfera um tanto lúgubre à bela capital, como se de um eterno pesar fúnebre se tratasse.
No Porto, ouvidos 17 comerciantes e prestadores de serviços da zona comercial do Bolhão, a estimativa média é de uma queda de mais de 30% nas vendas em relação a dois anos atrás – e isso em uma cidade que previa um crescimento substancial no afluxo de turistas, tanto pela posição estratégica que agora seu aeroporto possui – como uma das bases da companhia aérea de baixo custo Ryanair – quanto pelos investimentos maciços do Estado em publicidade dirigida a turistas da Europa setentrional.
Esses relatos, somados, entre outros tantos fatores, às violentas manifestações na Grécia e ao acirramento das greves na França e na Itália (onde cartazes de protesto como os que encimam ente post estão em toda a parte), evidenciam que a crise mundial, que se prolonga no tempo e, em diversos países, se aprofunda, está tendo para as populações desses países consequências de monta. Tanto mais porque redução de salários (como anunciava o jornal português Diário Econômico a semana passada), quebra dos contratos de aposentadoria, redução da seguridade social – enfim, o agravamento da ortodoxia neoliberal – são, até agora, o remédio anunciado. Algo como receitar morfina para desintoxicar um viciado.
Brasil: só marolinha
Enquanto isso, no Brasil, as elites, a mídia que as vocaliza e um grupo de velhinhas de Taubaté e preconceituosos que não engolem Lula nem com desemprego a 7% fingem não se dar conta de que a ousadia de sua política econômica anti-recessiva e includente poupou o país das desventuras ora vividas nos EUA e no velho continente.
Estivéssemos sob o PSDB e sua obsessão pelo Estado mínimo, com cortes de gastos públicos e o que chamam pomposamente de “desinchaço da máquina governamental”, estaríamos agora repetindo o velho ritual de nos agachar, pires à mão, ante o FMI, recolhendo algumas esmolas salvadoras em troca do sacrifício dos estratos mais pobres da população.
Por isso é necessário refletir, para além das picuinhas e factóides da mídia, sobre qual é, de fato, o o fator essencial dessas eleições a oposição entre neoliberalismo e políticas econômicas includentes, entre recessão e desenvolvimentismo, entre o retorno a um modelo que faliu seguidas vezes o Brasil e outro que nos levou e nos têm mantido atrelados a uma fase de ouro de nossa economia.
(Foto tirada em uma rua do bairro de Aventino, em Roma)
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