Há um cheiro de golpismo no ar, exalado pelas declarações de mais de um membro do Judiciário quanto à possibilidade de cassação da candidatura Dilma em seu nascedouro, e incensado nos vapores das sucessivas multas aplicadas pelo sistema eleitoral ao lulopetismo por campanha antecipada, sem que sejam estas acompanhadas de punição similar ao DEM e ao PPS por seus programas televisivos, em que generosa e explicitamente promoveram a candidatura de José Serra – que aliás fez, impunemente, propaganda da Sabesp até no Acre.
O telejornalismo global pode, potencialmente, se seguir com essa cobertura escandalosamente assimétrica, vir a inflamar tal atmosfera golpista.
A mídia impressa não tem mais poder de mobilização popular. Avançamos: longe se vai o tempo em que a Folha de S. Paulo burilava sua imagem às expensas das Diretas Já ou do Fora Collor. Mas é uma incógnita o que pode acontecer se a Rede Globo decidir mesmo partir para o tudo ou nada. Em 2006, mesmo com os factóides do “escândalo do mensalão” transmitidos diuturnamente pela Globo News e chegando a ocupar 2/3 da grade do Jornal Nacional, não funcionou. Mas é arriscado demais fiar-se apenas nesse caso isolado para afirmar que no pasarán.
O fator blogosfera
Parece inegável que a blogosfera – com a Carta Capital e um ou outro veículo menor - tem exercido um papel preponderante na resistência à atuação orquestrada da mídia que se seguiu ao convescote no Millenium, desmontando factóides e produzindo contra-discursos que, se não atingem milhões, chegam a muitos – incluindo uma minoria em posições-chave no jornalismo e na política.
Ao menos até agora não pudemos, infelizmente, contar, nessas eleições, com o blog de Idelber Avelar – cuja lacuna como centro plural de debates permanece impreenchida. Mas, graças a esse fenômeno de renovação autóctone da internet, além da continuidade da atuação aguerrida de Nassif, Azenha, PHA, Vianna, Guimarães e outros mais, tanto o veterano Altamiro Borges, em excelente fase, como o renovado blog de Maria Frô e o Tijolaço, do novato Brizola Neto – que herdou o destemor e a coerência do avô - têm desempenhado um papel destacado de contra-resistência midiática.
A questão, entretanto, é qual o real poder de fogo desse setores da blogosfera brasileira ante um eventual bombardeio global às hostes lulopetistas? Seja qual for a resposta a essa pergunta, a euforia que, ante a subida de Dilma nas pesquisas eleitorais, ora nutre tanto tais novos comunicadores quanto entusiastas da candidata, pode não apenas resultar infundada como contraproducente. Grandes pensadores políticos como Lênin e Gramsci alertaram que subestimar a capacidade do inimigo é um erro ainda mais grave do que superestimar a própria capacidade.
Portanto, a se confirmar a radicalização anti-Dilma na Rede Globo, com o abandono de parâmetros éticos mínimos e de uma postura que ao menos simule imparcialidade em prol de uma campanha aberta e massificada pró-Serra não restará caminho outro que a constituição de um movimento cívico que de fato mobilize a sociedade brasileira para a defesa da democracia.
Globo versus sociedade civil
A emissora em questão tem um histórico que depõe contra si. Cresceu sob a ditadura, a qual apoiou intensamente e, para ficar só nos dois episódios de maior gravidade, como analisa com o brilho costumeiro Venício A. de Lima no ótimo livro Mídia – crise política e poder no Brasil (Perseu Abramo, 2006), a Globo, em consonância com a Proconsult, tentou fraudar as eleições para governador do Rio de Janeiro em 1982, surrupiando votos de Leonel Brizola; e, ao contrário do que tenta hoje, à custa de edições posteriores, provar, negligenciou a cobertura das Diretas-Já em 1984 (e eu não precisaria ler o livro para me dar conta disso, pois lembro-me perfeitamente do fato e do momento histórico, o qual, aos 16 anos, vivi intensamente, como relato aqui - "0 povo não é bobo/abaixo a Rede Globo" era o slogan berrado a plenos pulmões contra a indiferença da emissora para com a luta pela democracia).
Convém lembrar, uma vez mais, que a TV Globo opera graças a uma concessão pública para exploração de sinal de teledifusão, concessão essa regulada pela Constituição Federal e que inclui – ou deveria incluir - não apenas a obediência à legislação eleitoral mas à deontologia, internacionalmente consagrada, do telejornalismo em relação a coberturas de eleições majoritárias.
O engajamento explícito da emissora na candidatura serrista é, portanto, uma questão que transcende os interesses político-partidários das agremiações A, B ou C e se apresenta como grave transgressão aos pilares básicos do exercício da política em uma sociedade democrática. Se tal desatino vier de fato a se concretizar nos dias que virão, será necessário uma reação à altura da sociedade civil organizada.
ATUALIZAÇÃO (14/06):
Após os 5 minutos dispensados à cobertura do lançamento da candidatura de Dilma no Fantástico, interlocutores questionaram a validade do post, e ao menos um acusou o blogueiro de leviano.
Reconheço que é auspicioso constatar que há, na Vênus Platinada, ao menos a intenção de soar equânime, ainda que tal comportamento continue aquém dos padrões que se espera de um jornalismo de alto nível, que deve de fato ao menos buscar a inatingível imparcialidade.
Isso posto, é preciso levar em conta que a cobertura do Fantástico dispensou dois minutos a menos à candidatura Dilma (tempo que é uma enormidade na TV); que no mesmo programa voltou a enfocar Serra por um tempo bem mais generoso do que os 18 segundos concedidos à petista no dia anterior; que o Fantástico não tem o "peso jornalístico" do Jornal Nacional - e, acima de tudo, que a reportagem sobre Dilma foi ao ar uma hora mais tarde e num domingo - com índices de audiência lá embaixo. Sem esquecer que o Fantástico não endossou didaticamente o programa de governo de Dilma como o JN fez com o candidato peessedebista no dia anterior.
Ademais, deve-se enfatizar que, como o bom leitor certamente se apercebeu, o post acima foi todo escrito no condicional. Faz conjecturas, ante o impacto de inéditos 7 minutos dedicados ao lançamento de uma candidatura que já está na praça há tempos e com base no retrospecto profundamente manipulador da emissora em eleições passadas. Fica no ar a questão sobre se os para alguns suficientes 5 minutos dedicados a Dilma no domingo deveu-se ou não, e em que medida, à pressão exercida em decorrência da cobertura espantosamente generosa dedicada ao tucano no dia anterior.
No final, o mais importante é não perder de vista que, somados o sábado e o domingo, o tempo dedicado à candidatura Serra (cerca de 8 minutos) foi mais de 50% maior do que o dedicado a Dilma (pouco mais de 5 minutos). E isso continua sendo, na minha opinião, uma grave distorção.
Quanto ao título infeliz, reconheço, errei. Por isso retitulei.
(Imagem retirada daqui)
4 comentários:
"Grandes pensadores políticos como Lênin e Gramsci alertaram que subestimar a capacidade do inimigo é um erro ainda mais grave do que superestimar a própria capacidade."
Pensamento inválido perante uma candidatura morta e enterrada como a do senhor José Serra.
Mortos não falam, não podem atacar, não podem vencer eleições, não podem governar.
Será que fui claro?
Algum estilista já está preparando o vestido da posse da Dilma em 1º de janeiro de 2011?
Maurício, boa noite.
Lendo seu post, gostária de llhe dizer, que vc não errou, no seu comentário.
Acredito que á atitude da Globo, veio depois do discurso do Lula, no mesmo dia do fantástico, pela manhã.
Lula faz o comentário , sobre esse assunto. veja: http://leodonorte.blogspot.com/2010/06/finalmente-o-discurso-de-lula.html
Um forte abraço.
Hélder.
Obrigado, Hélder! É impressionante como estão distorcendo as coisas.
Sou fã do seu blog. Abração!
Olá gostaria de convidá-lo a conhecer meu trabalho através do blog Ecos do Teleco Teço (WWW.ECOSDOTELECOTECO.BLOGSPOT.COM) . Grande abraço e sucesso com sua proposta !! Axé
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