Como
convém aos fatos que buscam baixa repercussão, o anúncio de boa
parte da reforma ministerial de Dilma Rousseff teve lugar na véspera
dos feriados de final de ano. Época em que os principais
comentaristas políticos estão em férias, a mídia limitada a
plantões e retrospectivas e as atenções da maioria da população voltadas
para lazer, presentes e congraçamento social.
A
escolha de tal data tem razão de ser: apesar de sucessivamente
adiada, a definição dos novos ocupantes da Esplanada não só deixa
de trazer as novidades ou melhorias esperadas, como revela-se
profundamente decepcionante, tanto do ponto de vista qualitativo
quanto, sobretudo, ético, como se depreende da análise criteriosa
de cada uma das nomeações.
Ponderaçoes
iniciais
Não
se desconhece a dificuldade de se conciliar a escolha de quadros
preparados e confiáveis com os interesses dos diversos partidos que
formam aliança governista, embora as justas críticas a esse modo de
fazer politica - que loteia o Estado entre aliados, qualificados ou
não, e está no cerne da corrupção generalizada - se anteponham a
qualquer consideração específica sobre as escolhas de Dilma. Ainda
mais porque havia, no cardápio da eleição presidencial, oferta de
outros modelos de adminsitração do Estado.
Também
não se deixa de reconhecer os eventuais acertos: a nomeação, para
o ministério da Igualdade Racial, de Nilma Leno Gomes (sem partido),
pedagoga e PhD em Sociologia – e primeira afrobrasileira a assumir
a reitoria de uma universidade federal (a Unilab) -, bem como a
manutenção, no Turismo, de Vinicius Lage (PMDB/AL), de perfil
acadêmico e egresso do Sebrae, constituem exemplos de escolhas
saudadas em suas respectivas áreas. Mas, reunindo qualificação,
passado ilibado e competência, são exceções que distoam dos
demais nomeados, como veremos, de forma documentada, a seguir.
Descritério
Para
as Minas e Energia, em que a corrupção é um tema particularmente
sensível - pois a pasta lida diretamente com a Petrobras, imersa em
escândalo - a presidente nomeou Eduardo Braga (PMDB/AM), um sujeito investigado pelo STF por fraude, peculato e formação
de quadrilha. Assim fica realmente difícil acreditar em Dilma quando
afirma priorizar o combate à corrupção.
Para
escolher seu ministro do Esporte, a presidente também não
demonstrou preocupação em adotar um critério que levasse em conta
competência na área ou manutenção de padrões éticos. Preferiu
usar a pasta para preencher a cota do PRB e da bancada evangélica,
nomeando o deputado federal George Hilton (MG). Pastor midiático da
IURD, ligado ao “bispo” Edir Macedo, foi expulso do PFL - vejam
bem, do tolerante PFL - em 2007, após ser detido pela Polícia
Federal no aeroporto de Pampulha (MG), com 11 caixas de papelão
contendo R$600 mil. Alegou tratar-se de dinheiro amealhado entre os
fieis.
No
MEC, um inimigo dos professores
Na
Educação, área que Dilma sempre afirma ser prioridade, a escolha
presidencial foi das mais polêmicas, contemplando um político que
já vestiu a camisa de cinco partidos políticos, inclusive, por oito
anos, do PSDB. O atual responsável por coordenar a Educação no
país, quando governador do Ceará, dirigiu-se a professores
grevistas nos seguintes termos: “Quem quer dar aula faz isso por
gosto, e não pelo salário”. E não se limitou a despautérios
verbais: entrou na Justiça contra o pagamento do Piso Salarial
Nacional dos Professores, aprovado pelo Congresso.
No quesito ética, não faltam escândalos à biografia d agora ministro Cid Gomes: em 2010, a
Polícia Federal abriu uma investigação para apurar seu
envolvimento em um desvio de R$300 milhões do Ministério da
Integração Nacional quando ocupado por seu irmão Ciro. Para
completar, tem o vício coronelista da censura à imprensa: após a
Isto É denunciar que ele estaria envolvido no escândalo do
Petrolão, processou a revista e conseguiu, graças à decisão de uma juíza de
Fortaleza, que a circulação do número em questão fosse vetada em
todo o país e a revista proibida de publicar matérias que ligassem
seu nome ao escândalo. Posteriormente, o STF reviu a decisão, em
sentença do ministro Luis Roberto Barroso, que sustentou,
peremptório: “A Constituição proíbe, expressamente, a censura”.
Ideologia
versus Ciência
A
escolha, para a Educação, de um político com tal backgrund,
somada à nomeação do nacionalista autoritário Aldo Rebelo (PC do
B/AL) para o ministério da Ciência e Tecnologia, suscita, no
momento, grandes preocupações no ambiente acadêmico. Autor de uma
lei que visava banir o uso de palavras estrangeiras, Rebelo, na
contramão da ciência contemporânea, defende com convicção que o
aquecimento global não passa de “uma trapaça ambiental”
promovida por “um movimento ambientalista internacional” que
é”cabeça de ponte do imperialismo”.
Soa
inacreditável que, em um país com tantos cientistas e gestores
científicos de alto nível, a escolha do ministro da área
desconsidere qualquer credencial meritória e recaia sobre uma figura
tão desinformada e jurássica como Rebelo, que, num curioso raciocínio, considera o materialismo dialético uma ciência, e a metodologia científica uma ideologia.
Ademais, em um momento histórico de internacionalização
científica e acadêmica, todos aqueles que se preocupam com o nível
de qualidade da universidade e da pesquisa científica brasileiras
têm, com a dupla Rabelo e Gomes no comando de seus respectivos
ministérios, ainda mais motivos para se preocupar.
Ecos
malufistas
Também
numerosas e ainda mais graves são as acusações que pairam sobre o
novo ministro das Cidades, Gilberto Kassab (PSD/SP). Oriundo do
malufismo, trata-se de um controverso político de ascensão
fulminante, contra quem abundam susoeitas de improbidade
administrativa e financiamento ilegal de campanha, e cujo
enriquecimento rápido tem chamado a atenção da Justiça reiteradas
vezes.
Na
primeira, quando seu patrimônio teria crescido 316% entre 1994 e
1998. Na segunda, quando chegou a ser cassado por um dia do cargo de
prefeito de São Paulo devido a “Doações ilegais [à sua
campanha] somariam dez milhões de reais. As empreiteiras
patrocinadoras teriam recebido 243 milhões de reais em contratos já
pagos pela prefeitura desde 2009”, como resume o Estadão. Na
terceira – o caso Controlar – foi absolvido da acusação de
reativar um contrato caduco originalmente assinado por Maluf em 1996
e que teria gerado um prejuízo de R$1 bilhão aos cofres municipais. Na quarta, foi condenado por improbidade administrativa pelo Tribunal da Justiça (SP) em junho deste ano, pelo não-pagamento de R$118 milhões em precatórios. Cabe recurso.
Além disso, em 2013, quatro assessores de Kassab, por ele nomeados a cargos de confiança, foram presos, "acusados de integrar um esquema de cobrança de propina que gerou um prejuízo de R$ 200 milhões aos cofres públicos, segundo o Ministério Público". Pesam sobre eles crimes de corrupção, concussão, lavagem de dinheito e advocacia administrativa.
Deixou
a prefeitura paulistana sob reiteradas acusações de corrupção, a
ponto de seu sucessor – o petista Fenando Haddad - ter se recusado
a renovar o contrato com a Controlar e criado uma força-tarefa para
investigar os desmandos do aliado federal, a qual levou meses para
identificar e alegadamente sanar práticas e esquemas. Agora Dilma
coloca um homem público com tal folha corrida - a quem os próprios
petistas reiteradas vezes se referiram como corrupto e incompetente
(“O pior prefeito do Brasil”) - para administrar um ministério
que controla volumoso orçamento voltado a obras públicas. Depois,
quando a bomba estourar, virá a público dizer que “não
rouba nem deixa roubar”?
PT
e UDR, enfim juntos
Mas
o nome mais polêmico do novo ministério de Dilma é, sem dúvida, o
de Kátia Abreu (PMDB/TO), senadora, pecuarista e líder ruralista
envolta em diversas denúncias que incluem, de forma reiterada,
grilagem de terras, desmatamento ilegal e exploração do trabalho
escravo. Em sua atução parlamentar, trabalhou intensamente para aprovar
anistia aos violadores no Código Florestal e barrar a aprovação da
PEC do Trabalho Escravo. Possuidora de 2.500 hectares de terras
improdutivas, refere-se aos movimentos sociais que atuam no campo
como “milícias” e “movimento dos sem lei”.
Sua
nomeação suscita graves temores em relação à preservação do
meio-ambiente, à justiça social no campo e ao respeito aos direitos
indígenas – já violados, no primeiro mandato Dilma, em um grau só
comparável ao da ditadura militar. A nomeação da "Miss Desmatamento", titulo outorgado pelos ambientalistas, tem sido motivo de
protestos e abaixo-assinados e de chacota internacionais: o de
ordinário sóbrio diário britânico The Guardian destacou, em
manchete: “Brazil's 'chainsaw queen' appointed new agriculture
minister” ["Rainha brasileira da serra elérica” indicada
ministra da Agricultura].
Trata-se
de uma escolha tão retrógrada e estapafúrdia que que nem mesmo alguns militantes petistas de carteirinha, daqueles que tudo aceitam e
justificam, têm engolido. E é importante ressaltar que ela não foi
nomeada por imposição da aliança ou pressão de seu partido, mas
na cota pessoal da presidente Dilma, com quem tem laços de amizade,
o que torna a escolha ainda mais escandalosa.
De
outros carnavais
Causam
preocupação, ainda, entre os novos ocupantes da Esplanada dos
Ministério anunciados na terça-feira, o novo titular da Aviação
Civil, Eliseu Padilha (PMDB/RS), ex-ministro de FHC que é réu no
chamado “escândalo dos precatórios”, e Helder Barbalho (Pesca),
denunciado por improbidade administrativa quando prefeito de
Ananindeua (PA) e filho do “coronel” Jader Barbalho, de
históricas ligações com o conservadorismo e pivô de denúncias de
enriquecimento ilícito e desvios milionários da SUDAM. Em 2002,
Jader chegou a ser preso e algemado pela Polícia Federal em Belém,
tendo sido acusado de desviar R$9 milhões para o ranário da mulher.
Soa a humor negro saber que o filho responderá, no governo Dilma,
entre outros ramos da atividade pesqueira, pela ranicultura no país.
Para
a Defesa, ministério com frequente interlocução com os setores
militares, Dilma escalou Jacques Wagner (PT), controverso
ex-governador da Bahia responsável por uma gestão truculenta, em
que maltratou professores e funcionários públicos e enfrentou uma
ruidosa greve da PM, contra a qual convocou o Exército. Em seu
mandato, Wagner envolveu-se em nada menos do que treze escândalos de
corrupção. Apesar de tal desempenho, foi recompensado por Dilma com
o ministério da Defesa.
Mais
do mesmo
Ricardo
Berzoini (PT/SP) é a escolha de Dilma para a estratégica pasta das
Comunicações. Como coordenador da campanha de reeleição de Lula,
foi um dos envolvidos no “Escândalo dos aloprados”, arquivado
pelo TSE por falta de provas. À frente das Comunicações, deve
completar a obra de Paulo Bernardo (PT/PR), que tomou posse
prometendo regularizar a mídia, enquadrar as teles e democratizar a
banda larga e deixa o cargo com a Secom abastecendo os cofres da
mídia corporativa, a banda larga fora do alcance da maioria da
população e as teles reiteradamente anistiadas, apesar de prestarem
um dos serviços mais caros e precários do mundo – líder de
queixas no Procon.
Os
ministros anunciados esta semana irão se somar aos novos ocupantes
da área econômica, anteriormente nomeados por Dilma e liderados
pelo ultraortodoxo Joaquim Levy, pupilo dileto de Arminio Fraga, a
escolha antecipada de Aécio para a Fazenda execrado pelo marleting
petista durante a campanha eleitoral. Grave falta de coerência ou
estelionato eleitoral?
Expectativas
frustradas
Tudo
somado, ficam claras a falta de consistência do ministério e a
forma como experiência e expertise foram preteridas em nome de um
arranjo improvisado para acomodar interesses políticos, com absoluta
despreocupação em dotar o país de um ministério formado pelos
melhores quadros.
A
tal déficit de qualificação soma-se a inexplicável demora na
escolha dos nomes para, ao final, nomear sujeitos sobre os quais, em
sua maioria, pairam graves suspeitas de corrupção. Do processo
resulta evidente que Dilma Rpusseff encontra-se perdida e mal assessorada. O ministério por ela nomeado, além dos problemas relativos a qualificação e ética, acima apontados, é tão ou mais conservador do que seria o de seus principais adversários na eleição, seja Marina Silva ou mesmo Aécio Neves. Só
não vê quem não quer.
Com
um Congresso dividido, o pais em crise econômica e em meio a um caso
particularmente grave de corrupção, já havia razões de sobra para
temer por 2015 e pelo futuro do Brasil a médio prazo. Com a nomeação
de um ministério eticamente suspeito e de baixa qualidade técnica,
a presidente consegue uma façanha: torna os prognósticos ainda
piores.
(Imagem retirada daqui e editada)
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