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domingo, 13 de fevereiro de 2011

Por uma imprensa justa

Em uma mesa de bar, entre goles de chopp e uma beliscada no filé aperitivo, dois amigos jogam conversa fora:
- Cê viu a última da nossa mídia?

- O que aprontaram dessa vez? – pergunta o outro, mais velho, com uma inflexão na voz que evidencia um certo fastio do tema.

- Deram pra exaltar a Dilma, mas só como forma de diminuir o Lula...

- Ué, mas o homem ficou oito anos no poder, o governo dela mal começou...

- Pois é, mas o negócio deles é desconstruir o Lula, com medo de 2014...

- Mas não adianta, não apitam mais nada esses caras. Quem liga para o que eles falam? O que vale é voto na urna...

- Pode até ser, mas a questão é que temos o direito de lutar por uma imprensa justa. Não vou nem dizer imparcial, que isso não existe, mas uma imprensa que retrate os fatos, que critique o criticável mas que também reconheça os méritos.


Niilismo x crítica construtiva
O diálogo acima, que não é fictício, evidencia duas das posições mais evidentes no debate público atual, no que concerne às relações entre imprensa e política: de um lado, a completa indiferença em relação à imprensa, aliada à confiança no poder decisório do povo que as três últimas eleições corroboraram; de outro, a ênfase na importância de se seguir denunciando as práticas condenáveis da imprensa e em lutar pelo aprimoramento da atividade midiática como um todo.

Grande parte da blogosfera parece se aliar ao primeiro caso: a imprensa é um inimigo a ser combatido, ponto final.


O perigo das generalizações
É exemplar disso a adoção do termo PIG (significando Partido da Imprensa Golpista), que se tornou corrente nos blogs e redes sociais para designar a grande mídia. Evito fazer uso dessa denominação por acreditá-la por demais generalizante: pretender que a imprensa aja sempre de um mesmo modo, golpista, é desclassificá-la a priori, concebendo-a de forma monolítica e impedindo qualquer análise mais nuançada. A meu ver, esse maniqueísmo pré-estabelecido entre os justos (nós) e os abomináveis (a mídia) não só torna a crítica à imprensa menos efetiva mas pouco capaz de angariar novos leitores interessados em argumentação e análise.

Por outro lado, o alto grau de pregnância do termo PIG e o quanto ele se tornou corrente evidencia que há uma percepção, amplamente difundida, de que há algo de profundamente errado, institucionalmente inaceitável, no comportamento da mídia de forma geral: uso de ficha falsa de candidata presidencial na capa da Folha de S. Paulo, a edição do Jornal Nacional referente à “bolinha do Serra”, o artigo de Cesinha difamando Lula, as denúncias jamais comprovadas que a Veja estampou em capas – os exemplos são inúmeros e de alta gravidade.


Colunismo obscurantista
Piora esse quadro a atuação dos que antigamente eram chamados de “formadores de opinião” - função que, se é que um dia foi de fato exercida, tornou-se inapelavelmente anacrônica na era da comunicação interativa. Com efeito, os colunistas de política dos grandes grupos de mídia se tornaram, de maneira geral e com raríssimas exceções, meras correntes de transmissão da ideologia (quero dizer, dos interesses) da plutocracia midiática.

Embora com diferentes origens e formações, os principais colunistas de nossa mídia hoje têm em comum a aderência cega ao ideário neoliberal (incluindo ojeriza ao setor público, ao Estado, a políticas sociais e sacralização da esfera institucional privada), antipetismo e ódio a Lula (incluindo sua formação, história, popularidade e sucesso). Jabor, Kramer, Cantanhêde, Merval, a turma da Veja... a lista é enorme e qualquer leitor/espectador eventual saberia identificá-los. Justamente devido ao seu grau de comprometimento ideológico representam o obscurantismo a que está relegada a nobre função de colunista, que idealmente deveria ser o responsável por aprofundar temas, desenvolver análises, clarificar perspectivas.

Tal fenômeno agravou-se devido ao que eu chamaria de “contágio interno” – ou seja, à tendência, dos poucos jornalistas opinativos potencialmente capazes de manter certa independência, de repercutir tão-somente a mídia corporativa, fiando-se em um discurso jornalístico viciado na origem e recusando o novo universo comunicacional sem o qual o contraditório – essencial para a comunicação democrática – praticamente não teria sido produzido nos últimos anos.


Comparações desmitificadoras
Essa terrível situação a que chegou nossa mídia tem produzido consequências negativas não só para si – o que é plenamente justo -, mas, ao instaurar uma desconfiança generalizada contra a imprensa enquanto instituição, contra a atividade jornalística como um todo. Ou seja, ao invés de combater certa estrutura comunicacional e, no interior desta, certos veículos, muitos preferem condenar o jornalismo. É como se, devido a erros médicos consecutivos, as pessoas decidissem exterminar a medicina.

Nesse cenário raivosamente anti-imprensa, grassam generalizações que não resistem a análises comparativas minimamente rigorosas.


Aspirações viáveis
Em primeiro lugar, à contraposição da imprensa brasileira à internacional. O ofício de colunista acima referido continua prestigiado tanto nas grandes publicações dos EUA e da Europa (e, por exemplo, no Página 12 da Argentina) quanto, sobretudo, em aguerridos periódicos de médio e pequeno porte – que tanta falta fazem ao panorama jornalístico brasileiro - tal como Le Monde Diplomatique, Salon, Mother Jones, entre outros.

Malgrado a indissolúvel ligação entre capitalismo e imprensa, a experiência internacional comprova que, dados os inevitáveis descontos, se não se pode sonhar com a inatingível imparcialidade, é plausível reivindicar uma imprensa justa, profissional, ética. Afinal, há toda uma deontologia do jornalismo que deve servir, também no Brasil, para algo além de motivo de piadas.

Em segundo lugar, a presunção amplamente difundida de que a imprensa brasileira sempre se comportou como “PIG”, ou seja, sempre foi extremamente tendenciosa e atrelada ao poder, se se sustenta em linhas gerais – afinal, umas poucas famílias e tipos como Assis Chateaubriand sempre mantiveram o monopólio sobre os principais veículos -, só com o auxílio da má-vontade ou do desconhecimento histórico resiste a um olhar mais detido.


Tempos idos
Afinal, como negar que, a exemplo dos veículos internacionais de pequeno e médio porte acima citados, a revista Senhor, Pif-Paf, O Pasquim, Realidade fizeram grande jornalismo? Como negligenciar o tremendo feito jornalístico (e de contra-reação cívico-política) que foi o Última Hora de Samuel Wainer, como olvidar uma trajetória jornalística como a de Pompeu de Souza, quixote de tantas batalhas e introdutor do lead na imprensa brasileira (no Diário Carioca), ou ainda, para utilizar-me de um exemplo mais recente, a resistência de Helio Fernandes e seu Tribuna da Imprensa?

O notório apoio de setores da imprensa ao regime militar (incluindo empréstimo de peruas de um jornal paulista para transportar torturados) deve, evidentemente, ser sempre lembrado e reprovado, mas daí a, valendo-se de ódios do presente (ainda que em sua maioria justificados) omitir que o grande Jornal do Brasil dos anos 60/70 e a Folha de S. Paulo (repaginada por Claudio Abramo) dos anos 80 inovaram qualitativamente a cobertura política e cultural da imprensa brasileira é apostar no obscurantismo.


Para além das ideias
E apostar no obscurantismo é igualar-se, em estratégia, ao que grande parte da mídia corporativa brasileira tem feito. Com o agravante que, ao se apostar na negação e destruição da mídia por razões político-ideológicas, negligencia-se a possibilidade de revitalização econômica de um setor com grande potencial de expansão, presença como arena pública e empregabilidade.

Na blogosfera, a guerra de muitos é contra a imprensa e a mídia - qualquer imprensa, qualquer mídia, à maneira anarquista ("Hay gobierno soy contra"), desqualificando-as a priori. Não é o caso deste blog: nossa luta é pelo aprimoramento democrático da imprensa, através da crítica à mídia via argumentação; da denúncia comprovada de seus eventuais erros, distorções e tendencionismo; da análise comparativa transnacional; e do debate de medidas governamentais para democratização do setor.

Não acreditamos em enfrentamento de forças estanques e desiguais, em ódio mútuo, mas em um combate de longo prazo, de resultados paulatinos, visando ao aprimoramento da mídia enquanto ente político-comunicacional e como setor econômico-social empregatício.


(Imagem retirada daqui)

2 comentários:

Alexandre Figueiredo disse...

Não seria melhor ler este texto antes de botar o blog do pupilo de Tavinho Frias como linque?

Leia esse texto. Gostaria que você divulgasse para seus conhecidos e leitores, de alguma forma:

http://mingaudeaco.blogspot.com/2011/02/o-velho-discurso-folha-de-pedro.html

Unknown disse...

A. F.,

Considero profundamente injusto o ataque a Pedro Alexandre Sanches.

Discorda-se das ideias dele? É simples, contra-argumente. Desqualificação não é argumento; é a tática dos intransigentes,

Ademais, seu comentário ilustra à perfeição as generalizações intolerantes que meu post critica: por que o cara um dia trabalhou na Folha vira "pupilo do Tavinho", mesmo mantendo uma postura crítica coerente em relação à mídia?