Os textos deste blog estão sob licença

Creative Commons License

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Pacote de Dilma espelha vícios de seu governo

O pacote de medidas da presidente Dilma para economizar R$30 bilhões, garantir um alto superávit primário e, assim, segundo ela, tirar o Brasil da crise profunda em que se encontra repete três dos mais graves vícios que caracterizam sua gestão: o autoritarismo, o elitismo e a mitomania.

O primeiro se evidencia pela falta de diálogo com a sociedade acerca das medidas, tomadas a portas fechadas em reuniões palacianas, com cuidados extras quanto ao sigilo, o que suprime do público até mesmo o direito de ser informado acerca dos debates e dilemas internos ao governo que elegeu e sustenta.



Alto grau de cinismo
Já a insensibilidade social é explicitada na sem-cerimônia com que Dilma mostra-se disposta a fazer com que trabalhadores e desempregados paguem o ônus da crise, através de um plano que preseva intocados as grandes fortunas, os “tubarões” (na confissão do próprio ministro Levy, em surpreendente acesso de sinceridade) e o rentismo do mercado financeiro. Não é por outra razão que a mídia, outrora tão reticente, mal disfarça a euforia com as medidas.

Quanto à mitomania presidencial, ela é expressada, em primeiro lugar, na adoção de medidas que são o exato oposto daquelas com as quais Dilma se comprometera na campanha eleitoral – e as mesmíssimas que jurava que seus adversários tomariam. Alimenta-se também da manutenção da fantasia de que seguir o dogma fiscal neoliberal signifique não só algo mais do que satisfazer a sanha da banca, mas a própria solução da crise. Por fim, atinge o paroxismo do cinismo quando alega que medidas que diminuem empregos, vagas em concursos, poder de compra e capital circulante, enquanto aumentam impostos e a recessão, visem justamente preservar conquistas sociais e baixos índices de desemprego (os quais ora já pertencem ao passaado).




Corte de perspectivas
É particularmente cuel, no pacote, a suspensão de concursos públicos,  ainda mais por somar-se ao corte anterior de 75% das bolsas de pós-graduação. Interdita, assim, uma das poucas vias que restam aos brasileiros de ascender a um emprego estável e com salário razoável, de forma honesta, sem apadrinhaento e após um justo processo competitivo (exceção feita aos vergonhosamente viciados concursos para professor das universidades, palco de conluio entre professores corruptos).

Trata-se de um dupla crueldade, porque, por um lado, em um cenário de escasssez acelerada de vagas, tira de uma enorme legião de desempregados e concurseiros o direito de ao menos sonhar com um bom emprego – alento que, na mente autodepreciada de um cidadão desprovido da estima que o trabalho propicia, pode fazer a diferença entre a depressão e disposição à luta - e, no limite, entre a vida e a morte.



Privilégios intocados
Por outro, por se tratar de uma falsa solução, já que, como todos os estudos demonstram, não é o funcionalismo de grau médio e efetivamente trabalhador o problema, e sim os supersalários e as inconcebiveis mordomias de uma elite de funcionários públicos que, nos Três Poderes, parasita e subverte o sistema, ao desrespeitar de forma flagrante os limites salariais e de acúmulo de cargos determinados pela lei.

Em seu eterno horror ao conflito, nem em plena crise fiscal o governo petista ousa mover uma palha para mudar tal estado de coisas e, além de manter a malta de altos cargos comissionados, prefere sacrificar ainda mais os servidores federais de baixo e médio escalão – grupo mais atingido pelas medidas – e, de forma geral, os desempregados e trabalhadores que já arcam com o ônus da crise através da inflação, da escassez de crédito, dos juros exorbitantes e dos aumentos desproporcionais da energia elétrica que o populismo eleitoreiro de Dilma Rousseff legou às famílias.



Presa do capital
Mais do que nunca, Dilma está de joelhos, completamente rendida, disposta a satisfazer todas as exigências do capital. “-Faremos tudo para impedir o golpe”, declarou ontem, como se, por um lado, a disposição a que alude fosse um ato de resistência político-social e não, como tem efetivamente sido, de rendição aos ditames do mercado financeiro e das forças políticas que o representam em troca da manutenção apenas nominal do poder, traficando o sacrificio – inclusive de direitos adquiridos - da classe trabalhadora.

Talvez o grande paradoxo que marca o presente momento político resida aí: que a manutenção de Dilma no poder, de importância prioritária para o petismo, venha tendo por preço o atendimento inconteste a todas as demandas do alto capital, mesmo que estas afetem negativamente a vida dos trabalhadores, aposentados e desempregados. Nesta operação, o petismo sacrifica sua própria identidade, tornando-se a cada dia mais indistinguível de um partido de direita neoliberal. Além disso, dá mostras incontestes de que prioriza os interesses do partido aos do povo e do país, os quais não hesita em sacrificar.




Despreparo e egolatria
Assim, não é mera coincidência que a defesa que os mais renitentes petistas ainda fazem do partido quase nunca se refira à sua atuação no presente (ou mesmo dos últimos dois anos), e sim, repetidamente, a feitos do governo Lula ou, com mais raridade, do início do governo Dilma - quando não comparando-os, como de uma coisa só se tratasse, ao governo FHC, de duas décadas atrás.

Pois liderada, na vida real, por políticos incomparavelmente menores do que fundadores como Florestan Fernandes, Mário Pedrosa e Carlito Maia e, na internet, por ideólogos cuja escassa formação teórica e política é inversamente proporcional à necessidade de protagonismo e satisfação egóica, resta a essa cada vez mais alienada militância, que parece desconhecer os benefícios da honesta autocrítica, gritar contra o que chamam de golpismo (como se impeachment a este equivalesse e não fosse uma possibilidade processual legal, prevista na Constituição, e inclusive já aplicada um Presidente anterior – hoje aliado de Dilma -, com apoio entusiasmado do próprio PT).



Dilma não é Jango
Desse esfoço desesperado de uma militância em crise decorre, num esfoço para colocar Dilma na condição de vítima de golpismo, a comparação entre 2015 a 1964. A improcedência da contraposição entre a atual mandatária – que, tendo recebido de Lula um país em boas condições, o levou o à grave crise atual após guinar ainda mais à direita – e o presidente João Goulart, este sim deposto de forma golpista, à ponta de baioneta, é assinalada com primor pelo jornalista Laerte Braga, no Facebook:

Há uma diferença sem tamanho entre Dilma Roussef e João Goulart. Tentar comparar os dois é um erro crasso. Jango, como era conhecido o presidente, enfrentou as elites, tinha apoio popular, foi deposto num golpe tramado em Washington e com apoio das elites paulistas. Não sacrificou seus princípios e em toda a História do Brasil, teve ministérios ocupados por ministros que deixaram lições de grandeza. Hermes Lima, Evandro Lins e Silva, Hélio de Almeida, Ulisses Guimarães, o jurista Roberto Lira, Celso Furtado e vai por aí afora. E Dilma? Se enrola na teia de Renan, de Cunha, de Kátia Abreu, de Aluísio Mercadante e nessa versão século XXI de Drácula, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Só a FEBRABAN, entidade dos bancos, apoiou o pacote anunciado ontem. Um desastre total. Jango era grande, Dilma é pequena. Brizola tinha razão sobre a presidente."


Direitos na mira
Dilma tem, evidentemente, todo o direito de lutar contra o impeachment. Mais do que isso: tendo sido democraticamente eleita, tem a obrigação de fazê-lo. Entretanto, posar de vítima de golpismo, recusar-se a se desculpar pela campanha eleitoral imunda e mentirosa e insistir em um discurso de preservação de empregos e de defesa dos mais pobres quando, na verdade e de forma efetiva, toma medidas que jogam o custo da crise nestes, poupam elites e só beneficiam os bancos e demais entes do rentismo é insistir na mitomania que levou à crise e na crença de que os brasileiros se deixarão enganar, mais uma vez, pela retórica vitimizante, desqualificadora e dissimuladora que oculta e às vezes subverte os fatos.

Já passou o tempo de o PT ficar fazendo o jogo da direita enquanto posa de paladino dos pobres e trabalhadores. O truque não convence mais. Como está, a dúvida é se Dilma vai sangrar mais um pouco, sacrificando mais direitos sociais, até o impeachment, ou se será uma longa hemorragia, até o final do governo, quando sabe-se lá o que restará dos direitos trabalhistas e de seus beneficiários.



Comodismo
Como sempre, as forças do medo - que, no petismo, venceram as da esperamça - alegam que não ha outro jeito. Mas há, sempre há. E a saída que resta è à esquerda, com a convocação de uma auditoria da dívida, rompimento com as metas de superávit determinadas pelo mercado e um governo orientado à melhoria da vida dos cidadõas, priorizando os direitos dos pobres, desempregados e trabalhadores - que, aliás, historicamente apoiaram o PT. Mas isso implica em conflitos diversos e em enfrentamento com o mercado, coisas que o partido jamais fez desde que assomou ao poder federal.

Não há, portanto, razões para supor que Dilma e o PT sejam agora capazes de arriscar perder as migalhas de poder que ora detém ao tomar uma atitude que demanda coragem e civismo – itens escassos no neopetismo.


(Imagem retirada daqui)

domingo, 13 de setembro de 2015

A crise nas ruas

Nos bares, nos pontos de ônibus, nos corredores das escolas, nos almoços familiares, o tema do momento é “o que vai ser do governo Dilma?”. Há quem torça contra, há quem torça a favor, mas poucos conseguem ficar indiferentes, pois a pergunta relaciona-se diretamente a uma questão de suma importância para a vida de todos: “o que vai ser do Brasil?”.

O clima dominante é de estupefação: “Ela tem um plano B?”; “Você acha que ela cai?”; “Como vamos sair dessa crise?”; "Por que Dilma fez de tudo pra vencer as eleições, apelando pro jogo sujo, se era pra fazer o que tá fazendo?”, perguntam, atônitos.

São pessoas de diversas classes e áreas: a dentista que viu sua clínica na periferia esvaziar à medida que o desemprego ao redor tornava-se endêmico; a cozinheira de um restaurante por quilo que funcionou por 14 anos, até que a combinação de inflação e crise o obrigou a fechar as portas; o advogado com um escritório no centro de São Paulo cujo lucro caiu da casa dos oito dígitos para um montante com o qual não dá pra sustentar a família, recém-aumentada; a faxineira cujo marido diabético e amputado sofre no corpo, a cada ida ao posto ou hospital, os efeitos dos cortes na Saúde; a agente de turismo que só conseguiu manter o emprego dobrando o serviço, mas sem aumento de salário; o jornalista com doutorado no exterior que está desempregado e vê a tesoura de Levy podar até os concursos que poderiam levá-lo à sonhada carreira como professor universitário.

Enquanto isso, em seu universo paralelo - a Petelândia -, a militância do partido que está há mais de 13 anos no poder continua a dar mostras de grave alienação da realidade, utilizando-se de exceções e de exemplos estapafúrdios para negar a crise e repetindo o mantra do golpismo, da velha e pra lá de datada comparação com FHC, e da recusa a qualquer forma de autocrítica (incluindo a negação do estelionato eleitoral praticado por Dilma).

Porém, no mundo real, a crise – que a maioria dos economistas jura que irá se agravar em 2016 – é bem concreta e diariamente vivenciada por um número crescente de desempregados, de pequenos comerciantes exasperados ante o iminente fechamento de sua fonte de sustento, de pais e mães tornados incapazes de prover seus filhos.

São pessoas cuja tensão constante e cujas aflições diárias são gatilhos para o “surto” de depressão e de demais patologias psicossociais que ora acomete nossa sociedade, pois o efeito do desemprego, da falência e da carestia não é apenas econômico, mas psicológico. Liga-se diretamente ao que Vivianne Forrester, no clássico O Horror Econômico, classifica como o “o drama das identidades precárias ou anuladas”, devido “à perda muitas vezes de um teto, à perda de toda consideração social e até mesmo de autoconsideração” (1997, p. 10).

É muito fácil ver a crise a partir do sofá da sala, de forma indireta, refletida na frieza dos números e das estísticas, que quase sempre se prestam a uma manipulação argumentativa. Mas é através do contato com seus efeitos em pessoas de diferentes formações, ofícios e classes sociais que não só ela se evidencia, mas revela sua capilaridade e seu grau de perversidade.

Enquanto a sociedade sofre e debate, ansiosa, a presidente e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy estão, neste exato momento, determinando cortes ainda mais profundos, que vão assumidamente incidir sobre áreas sociais - inclusive Educação e Saúde, as mais sacrificadas até agora. Além disso, confirmam um aumento generalizado de impostos que, uma vez mais, poupa os bancos, o mercado financeiro e o rentismo, as entidades religiosas 
e as grandes fortunas, penalizando sobretudo os trabalhadores. 

Resta saber se o governo vai enxugar as suas próprias gorduras, os inacreditáveis 38 ministérios, as verbas publicitárias de R$ 2,5 bi ao ano, as viagens a granel ou o quarto de bilhão gasto em garfos para o Palácio do Planalto. 

Cobrindo ou não o rombo governamental, uma coisa é certa: os cortes anunciados e o aumento de impostos vão refrear ainda mais a atividade econômica, agravando a recessão e piorando a perspectiva de desempregados e de pequenos comerciantes.

São, assim, medidas que reforçam o caráter elitista do governo petista, sua insensibilidade social e seu desprezo pela esquerda, evidenciado na predileção recorrente pela adoção do receituário neoliberal. Fica claro que Dilma e o PT não têm a compreensão das dimensões da crise e da gravidade de seus efeitos na vida dos cidadãos.


(Imagem retirada daqui)

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Dilma e a solução fácil: aumento de impostos



Com a arrecadação em queda livre devido à crise, o governo de Dilma Rousseff mostra-se incapaz de entregar o superávit primário que o czar Levy prometera ao mercado, amargando um rombo nas contas da ordem de R$ 30 bilhões. Em vez de recuar de um ajuste fiscal que só beneficia o mercado financeiro, mas é prejudicial à população e ao país, dá mostras de ver o aumento generalizado de impostos como única saída para o impasse.

Com efeito, no 7 de setembro, após a menção a “sacrifícios necessários” no discurso de Dilma, Mercadante anunciou explicitamente a intenção de aumentar tributos. Ontem, após citar a Espanha dos 50% de jovens desempregados como exemplo de ajuste fiscal bem feito, Levy admitiu que estuda elevar o Imposto de Renda de pessoa física. Passando da ação à prática, Temer agendou encontro com governadores com o objetivo de acertar o aumento (e o novo reparto) da CIDE, que incide sobre combustíveis.



Falácia neoliberal
Durante décadas, o discurso contra a alta carga de impostos no Brasil praticamente se circunscreveu aos setores mais conservadores da sociedade, os quais, de forma consciente ou não, alimentaram a crença em um Estado mínimo, que se limitasse às suas tarefas político-administrativas, legando à iniciativa privada a tarefa de administrar – e lucrar com – a Educação, a Saúde, os transportes, a Cultura, entre outras áreas.

Bastaram as administrações de perfil neoliberal de Collor e Fernando Henrique Cardoso, com suas tentativas de desmonte do Estado, para dar mostras mais que suficientes de que o grau de eficiência da iniciativa privada quando faz as vezes de Estado é diretamente proporcional ao lucro que aufere – e vice-versa. O resultado é que tanto sub-áreas como preservação cultural ou medicina preventiva tendem a ser sistematicamente negligenciadas, quanto alunos, pacientes e passageiros que não podem pagar ficam sem acesso a Educação, Saúde e transportes.



Mudança de postura
Talvez a relativa tolerância da maior parte da sociedade brasileira para com os altos impostos que paga tenha algo a ver com isso, com a aceitação tácita, ainda que contrariada, de que, em um país de tão pronunciadas desigualdades sociais, os impostos funcionariam como uma espécie de pedágio expiatório por viver melhor do que a maioria de necessitados.

Assim, ainda que algum protesto contra a carga tributária sempre houvesse, ele acabava descartado como uma lamentação, um #mimimi das elites. Nos últimos anos, no entanto, é perceptível o crescimento da insatisfação com os impostos no Brasil.



No limite
Em primeiro lugar, porque eles se tornaram insuportavelmente altos e não param de crescer, pesando muito no bolso dos cidadãos, tanto nos descontos na folha de pagamento dos assalariados quanto nas planilhas dos empregadores, notadamente os de baixo e médio portes.

Qualquer pessoa em contato com micros e pequenos empresários sabe que o custo de se empregar funcionários tornou-se extremamente dispendioso, e a urgência, neste caso, é para que se diminuam impostos, em vez de aumentá-los. Tudo somado, a impressão é que, em termos tributários, atingimos o limite do suportável.



Ralos e assimetrias
Em segundo lugar, porque, graças a distorções como o imposto sobre consumo ser 12  vezes mais alto do que o imposto que incide sobre patrimônio, a arrecadação fiscal, no Brasil, está estruturada de um modo tal que reproduz e intensifica a assimetria socioeconômica entre as classe sociais, com as camadas menos favorecidas pagando proporcionalmente mais imposto do que as classes alta e média-alta.

Em terceiro lugar, porque a contrapartida que o governo deveria dar aos cidadãos em troca de tributos tão altos deixa a muito a desejar, com serviços públicos morosos e ineficientes, uma malha arcaica de mobilidade urbana, indíces intoleráveis de violência e uma sensação de insegurança disseminada. Coroa o bolo a cereja da corrupção, com escândalos sucessivos, de vários governos e partidos, e envolvendo cifras monumentais, o que faz o cidadão se sentir um otário cujos impostos que paga com sacrifício vão para o ralo dos esquemas paralelos e para os bolsos ja recheados de uma corja.



Governo perdulário
Diretamente a tais mazelas conectado, em quarto lugar, verifica-se uma forte sensação de desperdício e mal direcionamento no uso que o governo faz dos tributos que arrecada, sensação açulada por um ministério com 38 titulares, pela disponibilização de viagens e apartamentosa granel à “corte” e por uma série de mordomias para os altos escalões dos Três Poderes, benesses com as quais a imensa maioria dos cidadãos, submetida a duras e longas jornadas entre casa e emprego, não pode sequer sonhar.

E afinal, se a situação demanda tanta economia como Dilmaalardeia, há de se perguntar se o governo não deveria, por exemplo, diminuir os gastos com publicidade, que somaram quase R$5 bilhões nos dois últimos anos e, em plena crise, continuam correntes, como se pode constatar facilmente ao ligar a TV ou folhear os principais jornais e revistas. Há de se questionar também se são realmente imprescindíveis os vultosos gastos com viagens governamentais para fins meramente promocionais ou com o gigantesco aparato – que no 7 de setembro incluiu até muros de aço isolando uma enorme área central de Brasília – mobilizado para os eventos públicos presidenciais, cujo custo com segurança é inversamente proporcional aos indices de aprovação da administração Dilma nas pesquisas.



Privilégios injustificados
Por fim, o quinto fator de insatisfação com o quadro tributário brasileiro vem da constatação de que há isenções que não se justificam, com determinados agentes sociais continuando a receber o privilégio indevido de não pagar impostos mesmo quando a situação fiscal é gravíssima e se cogita penalizar ainda mais aqueles que já muito contribuem. Dois casos se destacam: o da isenção para entidades religiosas e o da não-tributação (ou tributação ínfima) de grandes fortunas.

Em um Estado cuja Constituição determina que seja laico, não há nenhuma justificativa para a isenção de impostos a entidades religiosas. A rigor, a manutenção de tal contradição em pleno século XXI evidencia ainda mais o absurdo e o arcaísmo da situação – e os maldisfarçados interesses políticos que a determinam.

Pois, se qualquer trabalhador ou comerciante, mesmo o mais humilde, é obrigado a pagar impostos, por que instituições ligadas a igrejas seculares, que lucram fortunas com ensino e eventos, devem ser poupadas de contribuírem com uma porcentagem de suas receitas? Qual a razão para que seitas que, com dinheiro em grande parte amealhado entre os estratos mais pobres da sociedade, constróem templos faraônicos e compram canais e horários televisivos deixem de ter tributada umam fração de seus lucros em prol do bem comum, como ocorre com as demais empresas e insituições do país?



Incoerência e elitismo
De forma similar, não se encontra justificativa racional que sustente, em um tal quadro social, que donos de enormes fortunas – que, para maximação de seus ganhos não produtivos, já contam com o acesso a contadores e especialistas tributários inacessíveis ao resto da população – sejam poupados da obrigação de contribuir com aliquotas proporcionalmente maiores como forma de redistribuir renda, ainda que em doses homeopáticas.

A desculpa do ministro Levy, ao alegar que tal medida geraria uma arrecadação “pouco significativa” soa mais como um ato de solidariedade de classe do ex-alto executivo do Bradesco do que como um dado econômico efetivo, e por duas razões: primeiro, porque a maioria dos países que adota a tributação de fortunas tem obtido de tal dispositivo receitas fiscais relevantes; segundo, porque o grau de relevância do montante a ser arrecadado depende da disposição e coragem para estipular alíquotas condizentes com o montante das fortunas e com as necessidades do país.

Mas não. A tesoura de Levy tem preferido cortar, com excessiva disposição, os direitos trabalhistas de desempregados, pensionistas e trabahadores, bem como as verbas para Educaçao, Saúde e Mobilidade Urbana (as três áreas mais afetadas até agora). E já estão confirmados para o ano que vem cortes nas áreas sociais, nominalmente no programa de habitação Popular Minha Casa, Minha Vida.


Inversão de valores
Neste momento de agravamento da crise econômica, um aumento generalizado de impostos seria uma dura e injusta medida contra os assalariados e os empregadores, que já estão sendo muito sacrificados pela recessão – a qual, aliás, tenderia a agravar-se ainda mais com a diminuição do poder de compra e de investimento que tal assalto fiscal traria.

E tanto sacrifício para quê? Simplemente para o governo agradar ao mercado financeiro – ou seja, aos bancos -, pagando os juros da dívida pública e cumprindo a meta socialmente irresponsável de um alto superávit primário, resguardando os afortunados e à custa de uma maioria de desfavorecidos, como tem sido a regra no governo Dilma.

É uma dupla e amarga ironia que, por um lado, um partido que alguns ainda teimam em classificar como de esquerda entregue o comando da economia a um economista neoliberal célebre pela avidez com que corta gastos públicos; e, por outro lado, que o neoliberalismo sui generis de tal ministro inclua aumento generalizado de impostos, o que acaba por punir de forma mais incisiva os pobres e remediados que um partudo dito de esquerda deveria defender.



(Charge de autoria desconhecida retirada daqui)

domingo, 6 de setembro de 2015

Falsas soluções para a crise e a falácia do Estado mínimo

A traição eleitoral perpetrada por Dilma Rousseff, que na campanha vendeu um pais de comercial de margarina, assegurando ser a única candidatura capaz de preservar a economia e os empregos, e agora submete a população a um duríssimo choque neoliberal, produz danos que não se limitam à crise recessiva e ao desemprego a caminho dos dois dígitos.

Pois tal choque, para além dos cada vez mais graves efeitos na economia do país e no cotidiano dos cidadãos, equivale, em termos ideológicos, a uma hecatombe, com consequências de monta para o debate e os termos da disputa politica nos próximos anos. O elasticismo aético da realpolitik petista, com suas alianças amorais, seu vale-tudo em nome da tal governabilidade e o decorrente desprezo por coesão ideológica e programática cobra, enfim, com juros, o seu preço.


Economia sacrificial
Para piorar, sob o pretexto do ajuste fiscal e da alegada necessidade de se obter um alto superávit primário – ou seja, de dar prova, para o mercado, de que o país é capaz de pagar os juros da dívida pública e ainda economizar um tanto –, ganha força, cada vez mais, um velho discurso de demonização dos gastos públicos e de defesa de um estado mínimo. Vários países já viram esse filme – inclusive o Brasil - e seu final é péssimo.

O corte de 75% das bolsas de pós-graduação, o adiamento ad eternum da compra de 22 milhões de livros pra as bibliotecas públicas, universidades com instalações em penúria,  sem verba para pagar sequer limpeza e energia elétriva, a estagnação salarial de professores - isto tudo que ora ocorre, não obstante sua gravidade, não passa de uma prévia do que seria, apenas na área da Educação (que o governo Dilma alega ser prioritária), o país sob um Estado minimo.


Omissão e confusão
O discurso de viés liberal que o defende baseia-se em uma omissão gritante e em uma confusão deliberada. A primeira diz respeito ao peso, no balanço contábil federal, do pagamento dos juros da dívida púbica. Os npumeros são eloquentes: no ano passado, o governo gastou R$ 978 bilhões só com pagamento de juros e amortizações da dívida, montante que corresponde a quase a metade (45,11%) do total de gastos orçamentários anuais. 

Não é preciso ser nenhum gênio da economia para constatar que esse gasto, que não gera nada para o país - seja força de trabalho, melhoria de serviços ou produção de bem material - é muito mais nocivo do que os eventuais desperdícios e distorções causados pelo gasto da outra metade do orçamento, da qual uma parte sustenta quase oito milhões de famílias, em que ao menos um membro é funcionário público.


Questão de prioridades
Não se pretende, com isso, desmerecer a necessidade de uma maior racionalidade administrativa. Qualquer pessoa sensata há de reconhecer que é um despropósito o Brasil ter 36 ministérios e que o desperdício pode ser contido e que os supersalários têm de ser revistos (embora seja necessário ter claro que estes constituem exceção, a regra do funcionalismo federal sendo salários de medianos pra baixo). Não se pode, no entanto, superestimar o efeito de cortes em desesas públicas se o pagamento de juros permanecer intacto, nem, muito menos, confundir racionalidade administrativa com demonização do funcionalismo público e defesa do Estado mínimo.

Ademais, ainda que o governo Dilma, com sua guinada à direita, não o reconheça, o verdadeiro dilema da crise não é à custa de que sacrifícios será feito o ajuste fiscal, e sim por que direitos trabalhistas, empregos e a qualidade de vida do povo têm de ser sacrificados para que o lucro dos bancos com juros pornograficamente altos siga intacto?. Por que um pequeno grupo de bilionários tem preferência ante as demandas, muitas vezes urgentes, de milhões de cidadãos e cidadãs?

Não da para discutir seriamente a questão fiscal brasileira omitindo tais fatores.


Tudo pelo poder
Já a confusão deliberada parágrafos acima aludida recai sobre quais outras despesas, além do pagamento de juros extorsivos, foram, ou têm sido, responsáveis pela sinuca de bico em que o goveno Dilma por sua própria incompetência se meteu.

Ao contrário do que o discurso ofical quer fazer crer, com a narrativa fictícia do agravamento de uma crise mundial que já é passado para os EUA e maior parte dos países da Europa e mesmo da América do Sul, o fato é que três fatores foram os determinantes para que o endividamento do Estado brasileiro subisse a ponto de deflagrar a acrise atual: a construção de megaobras como Belo Monte e Tapajós, as despesas diretas e inditretamente ligadas à Copa do Mundo e a campanha eleitoral mais cara da história da Humanidade.


Ouvidos moucos
Ou seja, se o governo petista tivesse tido a humildade de ouvir o alerta de especialistas e corrigido as diretrizes do investimento, deixaria de alocar montanhas de dinheiro público em megaobras de grande impacto ambiental e social, as quais visam prioritariamente fornecer energia para abastecer o mercado chinês de bauxita, commodities e derivados. Diminiuiria, assim, o hoje temível grau de dependência da economia brasileira em relação à chinesa, que ora se retrai.

Teria, ainda, evitado os sucessivos aumentos no preço da energia elétrica e do gás, que ora sufocam os orçamentos das famílias e agravam a questão inflacionária. Pois, se ouvisse os jornalistas e especialistas que prefere desqualificar com grosserias, o petismo não teria mantido os preços da energia elétrica congelados por um longo período, numa típica medida eleitoreira, nem (por conta do aumento de consumo da energia artificialmente barata) teria sido obrigado a recorrer com frequência às caríssimas termoelétricas, gerando o caro caos econômico-energético atual. Mas não: do alto de sua arrogância, Dilma, a “gerentona”, preferiu afirmar sua expertise no setor. Deu no que deu – e quem paga a conta é o povo.


Mentiras e violências
A presidente Dilma não tem como alegar que desconhecia a gravidade da crise, como fez recentemente. Primeiro, porque quem ocupa tal cargo tem a obrigação de manter-se permanentemente atualizado em relação à situação e aos rumos da economia do país. Segundo, porque, ao menos desde 2013, mesmo na “imprensa amiga”, diversas matérias alertavam para a iminente piora do cenário econômico, com a confluência maléfica de aumento substancial da dívida pública, dos juros e da pressão inflacionária. Exemplo disto é esta coluna de Jaciara Itaim, publicada em 26 de novembro de 2013 por Carta Maior.

Ela sabia. E a opção por um modelo arcaico de desenvolvimento, à la Brasil Grande, baseado no estímulo ao consumo e infeso a qualquer questão ecológica ou ao respeito às comunidades afetadas, indígenas ou não, foi deliberada. Assim como o foi a repressão aos protestos contra a Copa do Mundo, que variaram da tentativa descarada de acobertar o montante de público gasto na preparação do evento à violência oficial brutal - não só cedendo recursos materiais às PMs, mas com o Exercito e a Força Nacional – contra manifestantes que exerciam o seu direito constitucional ao protesto público.


Perguntas sem resposta
Tudo isso para quê? De que valeu a vitória nas eleições, se o resultado é o neoliberalismo ortodoxo, de estirpe tucana, no comando da economia? Para que tanto empenho em vencer? Para gerar um país rachado, binário, com avalances de ódio? Para macular por décadas a esquerda (como se de esquerda o petismo se tratasse), com o fortalecimento de um ideário neoliberal de demonização do funcionalismo público e do papel do Estado? Pelo poder pelo poder? Para quê?


(Imagem retirada daqui)