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segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Pesquisa capta perfil ideológico de manifestantes


Pesquisa acadêmica sobre as manifestações de ontem em Vitória (ES), realizada por equipe de 65 pesquisadores capitaneados por Acácio Augusto Jr., confirma predomínio do conservadorismo, mas traz dados que podem surpreender (íntegra aqui).

Cerca de 40% dos participantes apoiam cotas e o Bolsa-Família;  45% são a favor do casamento gay; 55,74% pela reforma agrária de terras improdutivas. Que "reaças" são esses?


Instados a posicionar-se ideologicamente, em 11 subdivisões da extrema-direita a extrema-esquerda, a grande maioria (36,89%) se diz rigorosamente de centro. Excetuados estes, o conservadorismo prevalece: 44,53% x 12,57%

Ao contrário do que andam apregoando por aí, a maioria absoluta (56,83%) é contra "a eventual volta dos militares ao poder". Mas 37,71% são a favor. Seria importante contrapor tais números aos da sociedade brasileira em geral -  temo que não difiram tanto. Isso dá uma noção dos efeitos da amnésia e do desconhecimento históricos, agravados pela má formação educacional e política. Cabe assinalar, ainda, que, na minha opinião, a pergunta está mal formulada, não explicitando tratar-se de uma ditadura.

O conservadorismo evidencia-se, por exemplo, na escolha das instituições mais confiáveis: Forças Armadas, Igreja, empresários e imprensa, nesta ordem. Governos e casas legislativas estão em brutal descrédito. O governo federal só é confiável para 0,55%.

A grande maioria (55,46%) quer impeachment e convocação de novas eleições. Em segundo vem a renúncia de Dilma (19,95¨%). Só 9,56¨% gostariam que, em caso de impeachment, assumisse o segundo colocado nas eleições (Aécio), sendo que 6,56% preferem Temer.

Quase dois terços dos participantes (63,66%) votaram em Aécio nas últimas eleições, mas só 43, 44% repetiriam o voto se a eleição fosse hoje. Marina teria a preferência de 9,02% e Lula seria o último colocado, com apenas 0,27%. Tais números explicam a intensa campanha de desqualificação que o petismo e sua mídia vem movendo contra os protestos de ontem.

Porém, sem ódios exacerbados e generalizações descabidas, o que a pesquisa revela é um público de perfil conservador, certamente, mas com contradições diversas e longe, muito longe da besta acéfala e raivosa que a intransigência governista quer descreve. Pessoas, seres humanos, cidadãos e cidadãs, ainda que da maioria de suas opiniões discordemos.


domingo, 16 de agosto de 2015

As manifestações e as tentativas de desqualificação

Em uma democracia incipiente como a brasileira, em que a participação popular praticamente se restringe ao voto (obrigatório) e cujas campanhas são antes uma disputa pelo melhor marketing do que um tête-à-tête com as demandas da população, as manifestações públicas talvez devessem ser saudadas como fenômenos intrinsecamente positivos.

Isso não tem ocorrido – pelo contrário. Neste momento mesmo, o país está na iminência de duas mobilizações populares nacionais, de objetivos antagônicos entre si e, antes sequer que ocorram, ambas têm sido repetidamente atacadas, em um duplo esforço de desqualificação permeado de intolerância e limitador da própria ação política.


Atos em pauta
Marcados para hoje (16/08) em 270 cidades, os protestos contra a corrupção e o governo petista e pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff vêm sendo articulados há meses, na internet e fora dela, e recentemente passaram a contar com o apoio oficial do PSDB. Tal apoio, ainda que a posteriori, conferiu, no meu modo de ver, um caráter de disputa partidária e de revanchismo que afetou negativamente a mobilização. Um problema agravado pela a decisão, por parte dos organizadores, de poupar Eduardo Cunha (PMDB/RJ), deputado e presidente da Câmara, embora este seja um dos politicos mais em evidência entre os acusados de corrupção pela Lava-Jato.

Já a reação está marcada para a próxima quinta-feira (20/06), com manifestações de apoio à permanência de Dilma no cargo e a denúncia do golpismo que, segundo os organizadores, permearia os protestos pró-impeachment. Sindicatos e movimentos sociais que orbitam em torno da administração petista garantem presença, gerando um duplo receio: que as manobras de cooptação de tais entidades, por parte do governo, se intensifiquem ainda mais; e que dinheiro público banque sua partiticipação no protesto. Tal suspeita foi agravada, na última semana, por uma série de eventos oficiais que não tiveram outra função do que manifestar apoio a Dilma, culminando com um inacreditável desfile em pleno Palácio do Planalto. Tempo, espaço e, portanto, dinheiro público servindo não à governança do país, em profunda crise, mas à autopromoção e blindagem pessoal da presidente.



Preconceitos a granel
Para além desses receios justificados, as criticas e tentativas de desqualificação dos protestos têm abusado do recurso a estratégias do tipo “a parte pelo todo”, ou seja, que identificam características negativas ou questionáveis de um participante ou grupo de participantes e as atribui automaticamente à totalidade dos manifestantes, sem a mínima base de sustentação para tal.

Para os que se utilizam de tal estratagema, é como se, nos protestos de hoje, uma faixa a favor da diminuição da maioridade penal, um cartaz esdrúxulo defendendo intervenção militar ou três ou quatro abilolados apregoando a volta à monarquia transformasse dezenas de milhares de manifestantes em carrascos de crianças e em monarquistas saudosos da ditadura. Ou, nas manifestações da próxima quinta, bandeiras vermelhas, o símbolo da foice e martelo ou uma camiseta de Hugo Chávez significasse que o governo Dilma é comunista ou bolivariano. Nos dois casos, isso se chama desonestidade intelectual.

O ponto máximo dessa estratégia foi, até agora, a divulgação, nas redes sociais, da foto de um carro, com um cartaz no vidro caseiro convocando para a manifestação, estacionado em uma vaga para deficiente físico – e uma legenda no estilo “é esse tipo de gente que vai na manifestação do dia 16”. Como se as dezenas ou centenas de milhares de pessoas que irão às manifestações praticassem ou mesmo concordassem com tal atitude (e como se não houvesse, entre os que marcharão no dia 20, eventuais violadores da lei e das regras sociais). É um truque tão barato de propaganda difamatória que causa espécie constatar que ainda cause efeito em pleno 2015. E, mais grave, que açule generalizações discursivas totalitárias



Extremos que se igualam
Pois, em um monento de crise extrema no pais, com 100 mil pessoas perdendo seus empregos a cada mês e o governo batendo recordes de desaprovação, achar que um público tão grande quanto heterogêno é formado exclusivamente por “coxinhas e reaças”, como quer o petismo, oscila entre a ingenuidade extrema e a má-fé evidente.

De forma inversamente similar, denota as mesmas vicissitudes a associação ao comunismo ou ao bolivariansimo de um governo cuja política econômica, comandada por Joaquim Levy, é marcadamente neoliberal.

Há toda uma gradação de posições, à esquerda, à direita e pra fora desta divisão binária, que escapa a tais esquemas simplistas e é propositadamente ignorada.

De minha parte, por exemplo, apesar das muitas e graves críticas que tenho em relação ao governo Dilma, não concordo com as demandas da manifestação de hoje, sendo neste momento contra o impeachment, por razões que já explicitei em outra ocasião. Não obstante tal discordância, parafraseando Voltaire, defendo “até a morte” o direito constitucional de meus concidadãos de se manifestarem, contra ou a favor.


Tocando o terror
Mas, infelizmente para a democracia, o petismo no poder, para deter a voz das ruas, parece disposto a mandar às favas qualquer escrúpulo. A aprovação, na semana passada, da “Lei Antiterrorismo”, enviada pela própria presidente Dilma ao Congresso, é altamente reveladora do medo do governo e do grau de violência insittucional, policial e jurídica que está disposto a usar contra as manifestações públicas.

Além disso, a medida constitui grave e evidente casuísmo, em um momento em que a mandatária conta com 71% de desaprovação e só 7% de aprovação e que, segundo a grande maioria dos analistas, os efeitos da crise e do ajuste fiscal apenas começaram a golpear os estratos menos favorecidos da população, apontando para a possibilidade de mais e maiores manifestações nos próximos meses.


Intolerância a manifestações
Confirma-se, assim, como um dos traços distintivos do neopetismo, o horror a manifestações públicas - um tremendo retrocesso em um partido que nasceu das multitudinárias greves operárias do ABC paulista. Em 2013, as Jornadas de junho foram inicialmente recebidas com desconfiança, que logo se transformou em aversão e incitação à violência oficial contra os manifestantes (seja pelo governo, através do envio da Força Nacional, seja por parte de governistas, incluindo lamentáveis casos de delação de manifestantes à PM).

E tal intolerância segue em fogo alto, como o demonstra a reação do petismo ante as manifestações de hoje e o silêncio obsequioso de seus blogueiros e ativistas virtuais ante a violência contra manifestantes pacíficos exercida pela PM/MG na semana passada, sob o comando -e o posterior endosso proptocolar - do governador Fernando Pimentel (PT/MG).

Trata-se de algo a se lamentar profundamente. Pois respeitar e ouvir atentamente as vozes das ruas a exercitarem o direito constucional de se manifestar -em vez de descartá-las a priori - é atitude essencial à democracia e transcende os indivíduos e os partidos políticos. Sem isso não há diálogo efetivo e as eventuais críticas se tornam a expressão estéril e egoista de uma posição pré-determinada.


(Imagem retirada daqui)

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

O AI-5 de Dilma

A adoção, pela então recém-reeleita Dilma Roussseff, de uma política econômica neoliberal, comandada por Joaquim Levy - pupilo do player tucano Armínio Fraga -, consumou um estelionato eleitoral confirmado por medidas como revogação de direitos sociais, empecilhos para obtenção do Seguro-Desemprego, cortes vultosos mesmo em áreas sociais e a nomeação, na cota pessoal da presidente, da ruralista Kátia Abreu à Agricultura.

Estelionato eleitoral é, por definição, uma forma de golpismo, pois viola o contrato social estabelecido, durante a campanha eleitoral, entre candidata e os que nela votaram. Numa democracia de fato avançada, a atuação pró-ativa de tribunais eleitorais e os pesos e contrapesos do próprio sistema político coibiriam ou rechaçariam tal prática. Não é o caso do Brasil: aqui golpistas são os opositores...


Tudo pelo poder
Passados oito meses, com a crise econômica instalada, a aprovação do governo lá embaixo e e a presidente em atroz isolamento, perdendo todas no Congresso, Dilma volta à carga. No intuito de manter-se na Presidência com alguma governabilidade – ainda que residual e manietada -, negocia direitos sociais e de exploração das riquezas do país com o conservadorismo, através de um programa que atende pela marca-fantasia marqueteira de Agenda Brasil.

Tanto o espaço maior e editoralmente simpático que Dilma de repente passou a desfrutar na mídia corporativa quanto a ilusão de sobrevida política que lhe foi recém-concedida encontram sua explicação em seu comprometimento pela adoção de tal pacote.



O pacote da insensatez
Trata-se de um conjunto de 28 medidas que, em sua quase totalidade, propõe verdadeiros atentados sociais, os quais a direita sempre sonhou em implementar no Brasil, mas nunca teve a mínima condição real de fazê-lo, nem com Collor, nem com FHC. Sobretudo porque, naquela época, tanto o petismo quanto os sindicatos e movimentos sociais que hoje orbitam em torno do governo, em pelega vassalagem, seriam os primeiros a denunciar e a promover a mobilização, em solidariedade aos setores mais economicamente carentes da sociedade.

O pacote se orienta por três objetivos principais: 1) Barateamento e desregulamentação do uso da mão-de-obra; 1) Exploração de terras e áreas protegidas sem entraves ambientais ou burocráticos; 3) Aumento sunstancial da privatização, venda e concessão de terras, bens e contrato para obras como forma de aumentar a arrecadação.

Entre os mais escabrosos itens do programa, destacam-se: aumentar ainda mais a idade mínima para aposentadoria; regulamentar a terceirização (ou seja, promover, na prática, a precarização definitiva do trabalho); remarcar terras indígenas (tradução: cedê-las ao agronegócio como etapa final do genocídio); acelerar procedimentos para concessão de licenças ambientais (= tratorar geral); desvincular o gasto público do Orçamento, flexibilizando-o (para a malta se fartar com dinheiro público enquanto a patuleia sofre pra bancar o ajuste fiscal); liberar obras em cidades históricas ou em patrimônio tombado; proibir liminares judiciais que obriguem tratamento médico oneroso (fazendo a festa dos planos de saúde, muitos dos quais hoje só fazem exames e tratamentos caros após determinação judicial).



Efeitos duradouros
Se o estelionato eleitoral é um golpe, a Agenda Brasil é o golpe dentro do golpe. Assim, está para o governo Dilma assim como o AI-5 esteve para a ditadura, guardadas as devidas proporções de estarmos em uma democracia, ainda que relativa. Se aquele ato reprimiu e tornou clandestina a luta políica, este mina os direitos trabalhistas e organização sindical de base, condenando dezenas de milhões de trabalhadores à terceirização e à precarização, além de atentar contra direitos previdenciários em um momento de crescimento exponencial do desemprego e do subemprego. 
 
Se aquele significou, para muitos opositores, exílio, tortura e morte, este tem, para os povos indígenas, o sentido de desterro e aniquilação definitiva. 
Se aquele ato sacramentou a linha dura militar no poder, este corrobora a entrega do poder de facto aos setores mais fisiológicos e conservadores da aliança outrora capitaneada pelo PT, com o encargo de impementarem medidas que são o exato opsto das prometidas or dilma em campanha, e ainda mais retgrógradas e socialmente nicivas do que as que a então candidata jurava que seus opositores implementariam.



Herança maldita
E assim, ainda, à semelhança do ato do 13 de dezembro, os efeitos deletérios da Agenda Brasil, se implementada, tendem a perdurar por um longo período, afetando duramente os setores mais precarizados da sociedade e gerando consequências catastróficas para o meio ambiente, para o patrimônio histórico, para as relações trabalhistas e para a própria democracia. Como aponta a jornalista Denise Queirpz, do Tecedora, o Afenda Brasil tem o potencial de cataclisma para várias gerações.

Não há, evidentemente, nesse pacote-rendição final nada de esquerda ou de progressista ou de benéfico à maioria da população. Pelo contrário: chegam a chocar o elitismo, a insensibilidade social e o descompromisso ético dessas medidas com que Dilma trafica o sofrimento do povo brasileiro em troca da ilusão de mais alguns meses de poder.



A claque lobotomizada
Se fosse Marina, Aécio ou qualquer outro mandatário não-petista que simplesmente simulasse efetivar tais medidas, os que hoje atuam como hordas fanáticas de sustentação do petismo estariam protestando histericamente, promovendo os ataques desqualificadores tão ao seu gosto, convocando o povo às ruas. Mas ora preferem o silêncio conivente ou o aplauso entusiasmado.

Assim, em termos de incredulidade e estupefação, o anúncio das medidas da Agenda Brasil talvez só seja superado pelo fato de que está sendo aplaudido pela turminha de sempre, com a mentira esfarrapada e ora mais do que nunca insustentável de que estão apoiando um governo popular. A historia há de lhes cobrar o preço de sua autoilusão, cooptação - voluntária ou remunerada - e traição aos princípios da verdadeira esquerda.