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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Verbas do governo bancam jornalismo marrom

A muitos intriga a maneira tímida e pouco reativa com que os governos federais petistas têm tratado, desde que assomaram ao poder, órgãos de mídia que praticam um jornalismo de péssima categoria, relegado a quarto plano ante a necessidade de destilar venenos, instilar suspeitas e insuflar ódios contra Lula e o petismo. 

Com a divulgação, nesta semana, de um relatório da Secretária de Comunicação Social (Secom) demonstrando que dez veículos de comunicação dominam quase dois terços das verbas de propaganda do governo federal, ficando com R$111 milhões do total de R$181 milhões, à inquietação somou-se o espanto. E olha que tais números não incluem verbas advindas do patrocínio das estatais, as quais, se computadas, mostrariam o tamanho do mimo oficial à mídia corporativa brasileira em seu pior momento jornalístico.


1. A via legal
Três medidas essenciais afiguram-se como opções para enfrentar, no âmbito do Estado de Direito, esse uso deturpado e tendencioso – portanto, antirrepublicano – da nobre missão de informar que se tornou corrente na mídia e na imprensa brasileiras: o primeiro, por mais óbvio, é a abertura de processo por calúnia e difamação contra a corporação midiática – e, eventualmente, contra o jornalista – em questão.

A resistência contra a adoção de tal medida tem sido explicada pelos receios advindos da extrema letargia da Justiça brasileira: é comum que uma ação desse tipo, até transitar em julgado, leve quatro, cinco anos. E durante todo esse tempo o autor do processo estaria à mercê de mais animosidades por parte da publicação processada, as quais, por sua vez, se levadas à Justiça, levariam mais um punhado de anos para ser julgadas, num círculo vicioso. Acrescente-se a esse quadro típico de uma democracia incipiente a suspeita, baseada em evidências, de que certas varas tendem a nutrir simpatias por certas publicações – justamente as que praticam o pior jornalismo.


Anacronismos
Há de se observar, ainda, que o fim da Lei de Imprensa decretado pelo ministro Gilmar Mendes, saudado pela mídia corporativa e por blogueiros ingênuos, lançou a atividade jornalística a um limbo jurídico, a uma vala comum, justamente em um momento em que, graças à evolução tecnológica, acusações potencialmente danosas à imagem de cidadãos, empresas e governos espalham-se de forma viral e veloz, demandando uma legislação específica para tais tipo de crimes e transgressões.

No Brasil, seguimos presos de uma dinâmica arcaica: os danos à imagem e à reputação causados pela mídia brasileira são imediatos; seus eventuais ressarcimento e desmentido levam uma eternidade – de forma que, em casos como alteração de cenários eleitorais em virtude de armações “jornalísticas”, não há possibilidade efetiva de reparação do dolo.


2. A via institucional
Uma segunda maneira de pressionar a mídia a seguir os parâmetros deontológicos mundialmente consagrados para o exercício do jornalismo – os quais incluem princípios básicos como buscar a equidade, ouvir os dois ou mais lados envolvidos e dar destaque proporcional a todos eles, só acusar com provas, dar transparência ao processo de apuração das denúncias, presumir inocência, entre outras platitudes – seria pela via institucional, com o Estado promulgando uma Lei de Meios que regulasse a atividade midiática.

Ao contrário do que apregoa a histeria midiática, relativamente bem-sucedida em convencer os incautos de que se trataria de censura, a adoção de tal arcabouço legal de regulação da atividade midiática é prática comum a virtualmente todas as grandes democracias do mundo, com exceção dos EUA (se considerarmos esta uma grande democracia, é claro).


Benesses insuspeitas
Não haveria porque ser diferente: sendo a comunicação e o jornalismo atividades públicas – mesmo se praticadas por entes privados -, com direta inferência social, pertence à lógica mais primária a constatação de que cabe ao Estado regulamentar tal atividade, de forma a assegurar seu exercício de acordo com parâmetros republicanos e com as respectivas deontologias do comunicólogo e do jornalista, em um contexto em que a livre-expressão seja assegurada, mas o comportamento criminoso ou antiético coibido.

No entanto, a reticência de uma década dos governos petistas para promulgar tal legislação não só denota um misto de excessivo temor e pouca vontade política como sugere uma acomodação em uma situação que se lhes é aparentemente desfavorável, talvez ofereça, em seus intestinos, benesses e motivações insuspeitas à primeira vista, como a fixação do PT e de Lula na eterna posição de vítimas indefesas da mídia - com decorrência em termos de mobilização constante da militância – e a manutenção do acesso a determinadas portas comerciais e publicitárias que certamente se fechariam no caso de um enfrentamento aberto, mesmo se rigorosamente dentro da lei.


3. A via econômica
Por fim, a terceira maneira de o governo reagir contra a imprensa marrom e trabalhar efetivamente para o aprimoramento da atividade jornalística no país seria fechando as torneiras que, via Secom, irrigam regiamente, com milhões de reais, as editoras das mesmas publicações que praticam um jornalismo vergonhoso e à revelia de qualquer consideração ética. E não há o que temer: as principais publicações corporativas já atingiram um nível tal de baixeza e desrespeito, que se o governo parasse de alimentar esse jornalismo marrom nada teria a recear além de mais do mesmo.

Ocorre, porém, que para tal o governo teria de recuperar a plenitude de sua capacidade decisória, do direito de fazer escolhas segundo critérios outros que não os econômicos, a qual mantém-se coibida pelo primado do neoliberalismo e por sua persistência como ideologia orientadora de políticas oficiais, mesmo quando não anunciada.

É precisamente o caso da distribuição de verbas pela Secom, com a obediência ao critério da audiência, eminentemente econômico e que promove a manutenção da distribuição de verbas para as grandes corporações midiáticas, em detrimento da autonomia política de decisão que, não estivéssemos, como país, envenenados pelos efeitos colaterais de tal doutrina decadente, o governo, por ter sido democraticamente eleito, deveria gozar.


O retorno do oprimido
Mas não é assim, pelo contrário: o Brasil vive uma situação tal que uma mídia e uma imprensa que mentem, difamam, fabricam e divulgam em conjunto armações de cunho golpista - ao mesmo passo em que se recusam a levar a público graves casos de corrupção das forças oposicionistas - não só se mantêm a salvo de qualquer reação governamental, como têm suas burras periodicamente enchidas pelo Estado que o governo difamado está a cargo de administrar.

Dessa forma, o caso da distribuição de verbas governamentais para corporações que ora promovem um jornalismo hidrófobo, partidário e de péssima qualidade ilustra, de forma exemplar, os malefícios persistentes do neoliberalismo na ação governamental no Brasil. E é esta uma razão a mais para que cada retrocesso do governo Dilma em direção a medidas de inspiração neoliberal – mesmo que matizadas – mereça o nosso repúdio: porque, além dos malefícios inerentes a políticas situadas em tal marco, elas reforçam, subliminarmente mas de forma efetiva, um ideário que acaba por cercear a liberdade de ação governamental e submetê-la aos ditames exclusivistas dos critérios econômicos, mesmo quando o tema em questão é comunicação ou, para citar outro exemplo, cultura.


(Imagem copiada daqui)

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Contradições do atual quadro político

O quadro político-ideológico brasileiro passa por um momento particularmente contraditório, em decorrência, sobretudo, de dois fenômenos correlatos:

      1. A crise dos partidos de direita apeados do poder federal, representada pelo esfalecimento do DEM e pelas consequências do prolongamento artificial do serrismo;

      1. A guinada conservadora do governo Dilma Rousseff, seja no campo econômico, em que as premissas neoliberais residuais, representadas pela obsessão pelo superavit primário, assomam à condição de políticas de Estado com as privatizações temporárias de longo prazo (“concessões”, na novilíngua petista); seja na seara administrativa, através da negligência para com áreas sociais fundamentais como Educação e Saúde e na truculência inaudita, incompatível com parâmetros democráticos, para lidar com greves no setor público.


Luta por hegemonia
O grande paradoxo que marca tal processo é que, no momento mesmo em que o enfraquecimento da direita proporcionou potencial de ampliação da hegemonia da chamada centro-esquerda, a administração Dilma, parcialmente liberta dos ódios pessoais e classistas que Lula despertava e visando assegurar o aumento da aprovação a seu governo, passou a incorporar pautas conservadoras - e, desde o início do mandato, a buscar uma aproximação com a mídia corporativa - como forma de promover sua identificação com as parcelas eleitorais órfãs do conservadorismo.

Tal dinâmica, por sua vez, gera agora um círculo vicioso, pelo qual a manutenção dos altos índices de aprovação da ex-militante de esquerda e candidata da aliança petista passa a se manter atrelada à sua modelagem como liderança neoconservadora. Nesse quadro, ideologia e coerência programática cedem de vez lugar ao pragmatismo eleitoral.


Guerra nada santa
Esse desenho começara a delinear-se já na campanha eleitoral, quando a batalha religiosa estimulada por Serra levou a então candidata a firmar um pacto com lideranças pentecostais e setores católicos conservadores, comprometendo-se a, se eleita, não utilizar o Estado de forma pró-ativa no que concerne a aborto e à expansão dos direitos dos homossexuais. Não obstante haver, entre os cientistas políticos, quem assegure que, ao neutralizar a fuga em massa do voto religioso, tal acordo teria sido imprescindível para a vitória nas urnas, seus efeitos estão no cerne do atual desprestígio de Dilma entre parcelas culturalmente qualificadas do eleitorado que valorizam questões ligadas à chamada biopolítica.

Ainda assim, a vitória de Dilma nas eleições, após uma batalha do tipo bem contra o mau contra Serra, trouxe alento aos setores politicamente progressistas do país. Afinal, ela encarnava a continuidade do governo Lula, cuja superioridade inconteste ante o do antecessor FHC evidenciava-se pela transformação vivenciada pelo Brasil, no relativamente curto prazo de oito anos, de um país periférico e subalterno aos EUA, com índices pornográficos de miséria, alto desemprego e uma economia em frangalhos a uma potência emergente no cenário internacional, promotor de uma acelerada redução da miséria e da pobreza, baixo desemprego e um desempenho econômico na contramão da crise mundial.


Heranças em debate
Como a própria presidente, num raro repente, fez questão de deixar claro na dura mas justa resposta que deu anteontem a FHC, ela recebeu uma herança bendita do governo Lula. A questão que se coloca, porém, é o que Dilma Rousseff fará de tal legado, já que, mesmo sem receber a “herança maldita” que FHC legou ao seu antecessor e mentor, ela, ao invés de aprofundar as conquistas deste, trabalhar para a criação de alternativas ao neoliberalismo e trazer a níveis aceitáveis a Saúde, a Educação, a segurança pública e o respeito aos Direitos Humanos no país, parece empenhada em retroceder ao economicismo mais tacanho, à privatização, ao conservadorismo nas questões comportamentais e à repressão truculenta aos movimentos grevistas. 

Neste exato instante, tramam-se mudanças na CLT e, devido exclusivamente à recusa de Dilma em negociar, a greve dos professores federais se alastra por inacreditáveis 112 dias, mesmo com os docentes aceitando um aumento menor e cobrando apenas a adoção de um Plano de Carreira. A inflexibilidade da presidente agrada em cheio aos setores conservadores, mas o fato é que universidades paradas por um terço do ano, além dos transtornos a alunos, servidores e professores, custam uma fortuna aos cofres públicos – e sem dar nenhum retorno. Não pode ser considerada uma boa gestora uma presidente que, por picuinhas, permite tamanho descalabro.

Tudo somado, é danosa para o governo Dilma e para o país a ausência de uma oposição à direita digna do nome – já que a atual encontra-se duplamente massacrada, pela ausência de resposta programática ao sucesso dos governos petistas junto à população e pelo fracasso do serrismo, o qual, em conluio com parte da mídia corporativa, trocou a adoção de propostas por táticas baixas e ataques desqualificadores. Mesmo se se livrar de Serra, levará um bom tempo para a oposição conservadora se recompor.


Vácuo à esquerda
Por outro lado, a desarticulação da oposição à esquerda do governo mostra-se talvez ainda mais deletéria, pois não permite que o país disponha, na arena pública, de forças capazes de contrabalançar as inclinações conservadoras as quais o governo Dilma se vê, em nome da ampliação de sua hegemonia, atraído.

Sem esse contrapeso e de olho no voto das classes médias, a aliança petista caminha para um conservadorismo atávico, em que os programas de renda mínima e as ações afirmativas vias cotas – duas criações do capitalismo liberal – seguem, isolados, como meio de promoção de políticas inclusivas – efetivas enquanto vigentes, mas que não transformam estruturalmente a qualidade e a abrangência dos serviços sociais do Estado nem alteram a brutal assimetria entre rendimento advindo do capital (leia-se mercado financeiro) e rendimento advindo do trabalho, já que as remessas bilionárias de reservas ao exterior e os lucros dos bancos continuam intocados pelo modelo de capitalismo o qual o governo se recusa a contrariar.

Tais processos têm tornado evidente a um número cada vez maior de pessoas a guinada conservadora do governo Dilma, seu desprezo pelo social e pelo público e o caráter predatório do desenvolvimentismo a todo custo que promove, baseado no endividamento limítrofe das famílias de baixa e média renda. Dívida, na novilíngua petista, é crédito. Trata-se de um modelo que claramente privilegia o desenvolvimento econômico como condição precípua para um eventual desenvolvimento social, o que evidencia o quão frágeis são suas ligações com um programa político de centro-esquerda.


Bloco dos fanáticos
Tudo isso pouco importa para a vasta gama de apoiadores incondicionais do PT, que ou fingem não ver que o partido abandonou muitas de suas bandeiras e práticas – inclusive o saudoso hábito de escolher seus candidatos através de eleições internas – ou também mandaram às favas os escrúpulos e estão interessados apenas no prolongamento da hegemonia do partido no poder, em tantas instâncias quanto possível, à revelia de como ele o exerça, privatizando ou não, privilegiando o mercado financeiro ou humilhando o servidor público, não importa. Interessa ao bloco chapa-branca é se autocongratular histericamente pelo que se entenda por cada mínimo acerto da camarada presidenta, mesmo quando beneficia os ruralistas de extrema-direita. Stalin perde.

Para esse projeto de manutenção da hegemonia – conservador por definição – vale tudo: a crítica justa à mídia se transforma na generalização do termo “PIG” como um bode expiatório para todas as horas, mesmo que hoje sejam rotineiramente usados contra os críticos do petismo os burburinhos e as mesmas táticas desqualificadoras que caracterizam o esgoto jornalístico.


Contradições evidentes
O articulista Francisco Bosco, em coluna memorável sobre o significado da candidatura Freixo enquanto reflexo da insatisfação com o petismo, assinala que “O acontecimento político mais importante para a história recente do Brasil foi a eleição de Lula para presidente, em 2002 (…) Mas é preciso lembrar o que custou de resignação ao país esse projeto. Sob alguns aspectos, o lulo-petismo tem sido a continuação da modernização conservadora do Brasil. Já sabemos as virtudes e os limites desse projeto”.

Como se vê, as contradições do atual projeto político petista ficam cada vez mais evidentes e uma hora não será mais possível adorar a dois deuses antagônicos ao mesmo tempo. A guinada à direita ora comandada por Dilma cobrará o seu preço, o tratamento humilhante a professores - uma das classes mais aviltadas de trabalhadores no país -, também. Talvez não seja nestas eleições, nem na próxima, mas isso ocorrerá um dia. 

Faz-se urgente, neste momento e de agora em diante, o fortalecimento e a união das forças de esquerda como forma de combater o neoconservadorismo petista, que se presta a fazer voluntariamente o jogo da direita, interessado apenas no poder pelo poder.



(Ilustração de origem desconhecida. Se a informarem, será publicada)