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terça-feira, 29 de maio de 2012

Veja, Gilmar e o Editor Imaginário


Após o período atípico, sem manchetes denunciativas nas capas, que se seguiu à instalação da CPI do Cachoeira, a revista Veja tenta sair das cordas publicando, na edição desta semana, uma denúncia em que um seu velho conhecido – o ministro Gilmar Mendes, do STF – afirma que o ex-presidente Lula o teria pressionado para que tentasse adiar a data do “julgamento do Mensalão” para depois das eleições municipais deste ano. Em troca, segundo a revista, o ex-presidente ofereceria ao magistrado “blindagem” contra eventuais acusações na CPI do Cachoeira.

Logo após a revista chegar às bancas, jornalistas e blogueiros passaram a apontar as múltiplas inconsistências da matéria - trabalho facilitado, inicialmente, pela negação peremptória da veracidade da denúncia feita pela única testemunha presencial do encontro entre Mendes e Lula (o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim) e complementado, na noite de ontem, pelo depoimento do próprio Gilmar Mendes ao Jornal Nacional, em que afirma que “ele [Lula] não pediu nada diretamente a mim”.


Factoide de curta duração
Não é meu interesse, aqui, repisar os múltiplos fatos e constatações que desmontaram o factoide de Veja em questão de horas, nem especular o que teria levado Mendes a desmentir a revista já na segunda-feira. As explicações estão aí, aos borbotões, na internet e no pouco que resta de imprensa séria no Brasil.

Tampouco me interessa, no curto espaço deste artigo, analisar a incompatibilidade da conduta de Gilmar Mendes com a posição que ocupa: como reconheceria qualquer pessoa ciente das leis, ainda que a acusação fosse verdadeira, seria obrigação de um ministro do STF levá-la à Justiça, e não, após mais de um mês de silêncio, fazer futricas na menos confiável das publicações brasileiras.


Lúdica imprensa
O que gostaria de propor aos leitores e leitoras neste texto é um exercício mental, um jogo, que pede uma certa dose de abstração, tendo como meta produzir uma reflexão sobre o jornalismo brasileiro hoje: façamos como Carlinhos Cachoeira e brinquemos de editor.

A proposta do jogo é que nos coloquemos no lugar do editor de uma hipotética revista jornalística séria. Tentemos evitar, portanto, assumir uma posição ideológica pré-determinada e tenhamos como meta principal simular adotar os mesmos critérios práticos que o jornalismo historicamente chama para si – checagem de informações, ouvir os dois lados, equilíbrio, responsabilidade social, defesa do interesse público.

Comecemos fazendo um esforço para esquecer, por um momento, a biografia e as peculiaridades dos personagens envolvidos na última “denúncia” da Veja, publicação que – com o perdão pelo duplo sentido - também deve ser abstraída de nosso pensamento. Conservemos a mesma denúncia, feita porém a uma revista jornalística séria de um país democrático: um ministro da Suprema Corte acusa um ex-presidente (por duas vezes eleito) de tê-lo pressionado para que convencesse colegas de toga a optarem pelo adiamento de determinado julgamento, envolvendo acusação de corrupção contra o partido político do ex-mandatário (mas não diretamente contra este). Em troca, ele teria prometido “aliviar a barra” do denunciante se e quando pipocassem acusações contra este numa CPI em andamento.


Jornalismo dentro da lei
Antes de examinarmos o caso é forçoso constatar que tudo o que se refere à denúncia teria de ser checado e rechecado pelos editores, antes da eventual publicação da matéria, posto que, além de serem estes os procedimentos recomendados pelo bom jornalismo, o que está em jogo envolve altas personalidades da República e poderia provocar sérias consequências tanto no campo jurídico quanto político-eleitoral. Desnecessário observar que a constatação de eventual leviandade por parte da publicação fatalmente acarretaria danos, não só à sua imagem pública, mas no âmbito judicial, já que a existência e o cumprimento de leis que regulamentam o exercício do jornalismo são característica comum aos países de democracia consolidada.

Um primeiro fator a se considerar pelo editor da revista seria o da credibilidade da testemunha. Ser ministro do Supremo ajuda, mas, como se sabe, quanto mais avançada a democracia, menos vale o “critério” da carteirada, do “você sabe com quem está falando?”. Uma publicação jornalística séria levaria em conta se o denunciante tem uma história moral condizente com a que se espera de alguém que tem assento na mais alta corte do país ou seu passado é entremeado de episódios obscuros, suspeitas, ligações com personalidades políticas controversas, perda da compostura em púbico, grampos sem áudio. A opinião pública e seus pares de toga o respeitam, ou ele já chegou a ser publicamente acusado, por um deles, de estar “na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro”?


Testemunha-chave
Uma segunda medida, porém elementar, seria se inteirar se haveria testemunhas que pudessem corroborar ou desmentir a acusação feita pelo ministro e, em havendo, entrevistá-la(s). Afinal, uma terceira pessoa que reafirmasse o ocorrido, a depender de sua credibilidade e do grau de coincidência com a denúncia originalmente formulada, forneceria uma evidência mais consistente para a publicação da denúncia, reduzindo o ônus da revista – ao passo que, se esse terceiro elemento fosse reticente ou desmentisse a acusação, acenderia um alerta e faria aumentar a desconfiança na redação quanto à veracidade do relato do magistrado.

Ora, nenhuma publicação séria do mundo publicaria uma denúncia contra um ex-presidente ciente de que esta seria desmentida pela única testemunha presencial capaz de corroborá-la, como Jobim o fizera em relação à denúncia de Veja/Mendes. Nosso jogo deveria, portanto, terminar aqui, já que um editor responsável e jornalistas honrados jamais concordariam em assinar uma matéria tão leviana, alicerçada em bases tão frágeis. Mas, entre nós, brasileiros, o jornalismo responsável anda tão escasso que proponho brincarmos de imprensa séria um pouquinho mais.


Coerência lógica
Consideremos então que, para nosso valoroso redator, tão essencial quanto as medidas acima elencadas seria um exame da plausibilidade da denúncia. Várias questões então se colocariam para ele. A primeira delas diz respeito à probabilidade lógica: o STF tem 11 membros. Do time atual, o ex-presidente indicou seis nomes, e sua sucessora, do mesmo partido, dois. Já o ministro acusador foi indicado por um ex-presidente que antecedeu a ambos mandatários e lhes faz oposição, indicação que, segundo alguns, se deu como forma de recompensar a extrema leniência com que o nomeado desempenhou o papel de Procurador-geral da República em seu governo.

Ora, por que o ex-presidente agora acusado, ao invés de pressionar os oito ministros nomeados por ele e sua sucessora, preferiria ir ter com um magistrado nomeado pelo seu principal opositor? Mais: por que o faria, se fora anteriormente publicamente agredido pelo mesmo ministro, que declarou que iria “chamá-lo às falas” por conta de uma denúncia de grampo no STF - publicada, aliás, na mesma revista ora sob suspeita, e jamais comprovada?


Fora de timing
Certamente nosso brioso editor, já picado pela vespa da perplexidade (ele é um editor imaginário, mas é humano), quedaria a pensar por que cargas d'água um ex-presidente desejoso de manipular a data do tal julgamento iria pressionar um ministro sem posição de comando no tribunal ou função especial alguma no “julgamento do Mensalão”, ao invés de acossar os presidentes do STF e do TSE ou o relator do caso? “Isso não faz sentido algum”, refletiria o nobre homem.

Por fim, pensaria nosso já estupefato editor, por que o ex-presidente, que poderia ter feito como seu antecessor e mandado engavetar a granel denúncias que o desagradassem, se tinha interesse em manipular o “julgamento do Mensalão”, não o fez antes, no poder? 

Essa questão certamente estaria na pauta da entrevista com o ex-presidente, a qual, obedecendo parâmetros éticos mínimos, deveria não apenas dar a voz ao outro lado para que se posicionasse ante as acusações que lhe são feitas, mas publicá-las com destaque textual e fotográfico proporcional ao dado às acusações e ao acusador. Isso, conclui o editor, se não existissem tantos furos a impedir a realização de uma matéria minimamente séria, que pode destruir nossa reputação.


Uma questão de ética
Xingando mentalmente o pauteiro que propôs uma matéria tão sem sustentação, nosso valoroso editor desiste de publicar a matéria e comunica a decisão aos demais profissionais envolvidos – não sem uma sutil reprimenda entrelinhas. 

Desliga o computador, fechas as gavetas e, com a consciência leve assegurando a dignidade com que os jornalistas de Veja não podem nem sonhar, sai assobiando pelas ruas com as mãos nos bolsos, vendo a tarde cair.


(Imagem retirada daqui)

quinta-feira, 24 de maio de 2012

A greve do metrô e os discursos falaciosos

A forma como o governo peessedebista de São Paulo e seu braço ideológico-comunicacional - a mídia corporativa – reagiram à greve dos metroviários evidencia, uma vez mais, a intolerância para com as manifestações reivindicatórias trabalhistas e o caráter profundamente repressor das relações entre poder, comunicação e demandas sociais no estado.

Tendo rejeitado a oportunidade, oferecida pelo sindicato da categoria, de manter o metrô funcionando, com catracas livres, enquanto se desenrolavam as negociações, o governador Geraldo Alckmin preferiu privar a população de usar tal meio de transporte, sob o pretexto de “endurecer” as tratativas, confiante de que a mídia amiga colaboraria na responsabilização dos grevistas pelos transtornos que fatalmente decorreriam de tal decisão.


Pânico em SP
O resultado foi um dia de caos na cidade, cujo trânsito simplesmente travou em diversas regiões, com o recorde de 231 quilômetros de congestionamento impedindo trabalhadores de chegarem a seus empregos, prejudicando o transporte de bens e a oferta de serviços e gerando toda sorte de atrasos e desconforto à população. Para completar, a CET, numa decisão tão precipitada quanto pouco inteligente, suspendeu o rodízio, atulhando as ruas com um acréscimo médio de 20% de carros circulantes justamente num dia em que muitos trocariam o transporte público por veículos próprios.

Como se vê, mesmo se não levarmos em conta sua responsabilidade na penosa situação trabalhista que levou os metroviários à greve, o governo é, em larga medida, responsável pela caótica situação imposta à capital paulista. Porém, logo de manhã o governador Alckmin deu o tom do que seria o discurso das autoridades: jogar a população contra os grevistas, atacá-los pesadamente, promover a velha tática peessedebista da desqualificação das forças que se lhe opõem (chamando, no caso, os grevistas de “grupelho radical”), procurar caracterizar a greve como política e eleitoreira (no que contou com os backing vocais de José Serra, logo ecoados pelas folhas amigas).


Regredimos
Ora, toda greve é política, e é preciso ser ou um completo ignorante em teoria política ou um manipulador mal-intencionado para fingir desconhecer tal obviedade. De modo similar, sendo as eleições um marco cronológico central da agenda política, seria de se esperar uma sua instrumentalização a favor da efetividade dos movimentos reivindicatórios grevistas. Assim é no mundo todo, há tempos. Portanto, nem o fato óbvio de serem as greves políticas, nem a decorrência lógica de apresentarem correlação com as eleições as torna menos legítimas – pelo contrário: sua maior legitimidade justifica-se justamente pelo aumento da possibilidade de seu grau de eficácia. Afinal, como afirma Walter Benjamin, “Se a justiça é o critério dos fins, a legitimidade é o critério dos meios”.

Porém, na anacrônica São Paulo da segunda década do século XIX – digo, XXI -, o discurso de tonalidades fascistoides proferido pelo governador ecoou durante todo o dia, repetido à exaustão nas rádios e TVs, pelo próprio e por seus ventríloquos na mídia, no partido e na militância: a culpa pelo caos na cidade era de grevistas fora da lei, manipulados por pequenos partidos de esquerda que, por sua vez [e contrariando sua atuação efetiva nas casas legislativas] estavam a serviço, naturalmente, do PT. 


Jornais que ladrem
Enquanto nas ruas, nos lares e nas redes sociais mitômanos tucanos praticavam tais modalidades de escapismo, a mídia corporativa se esmerava em produzir uma narrativa jornalística cujo fim precípuo era atacar ou criminalizar o movimento trabalhista, incluindo manchetes como “Metroviários cobram de barriga cheia” e o grande destaque dado à fala do eterno candidato Serra segundo quem "Metrô e CPTM sofrem com sabotagens" (afirmação com a qual se pode eventualmente até concordar, a depender de a quem se atribui a sabotagem, se aos governantes ou a outrem). 

Destacou-se, particularmente, pela agressividade inaudita com que atacou os grevistas, o Jornal da Globo, que tem se constituído, cada vez mais, em exemplo de jornalismo sacrificado em prol do faccionismo político-partidário, constituindo-se, assim, em matriz do conservadorismo mais tacanho na programação “noticiosa” da TV aberta. Lugar-comum a virtualmente todas as coberturas, é "a greve" quem teria provocado o caos, e nunca a incompetência dos governantes para bem administrar os transportes, evitando-a.

Não é preciso evocar a imaginação para projetarmos como seria a reação dessa mesma mídia se se tratasse de um governante petista, ao invés de um tucano, a enfrentar paralisações reivindicatórias no setor de transportes: com efeito, conserva-se fresca na memória da democracia brasileira a forma implacavelmente acusatória como as ex-prefeitas Luiza Erundina e Marta Suplicy foram responsabilizadas pelos locautes patronais que deixaram milhões de paulistanos sem transporte, quando o que estava em jogo era tão-somente o aumento dos lucros já exorbitantes proporcionados pela exploração, nas condições sabidas, do transporte público na cidade - e não o aumento do salário-base de trabalhadores, de aviltantes R$ 1.154 para insuficientes R$1.225, como na greve de ontem.


Gás, bomba
Para completar o cenário protofascista da São Paulo de nossos dias não poderia faltar a violência policial, praxe de qualquer manifestação realmente popular no estado – o que exclui, evidentemente, “cansados” e neoudenistas de escol. Ontem, só para variar, manifestantes, grevistas e hordas de trabalhadores foram reprimidos com bombas de efeito moral e balas de borracha em pelo menos dois pontos da cidade (Largo Treze de Maio, em Santo Amaro e nas imediações da estação Corinthians-Itaquera do metrô).

Graças a tal quadro, o clima que se respira hoje na maior cidade do país, no campus da Cidade Universitária ou em qualquer espaço público em que se concentrem grupos de populares – seja para reivindicações, protestos ou lazer – se assemelha demais e perigosamente àquele dos anos de ditadura, com a presença ostensiva de forças policiais e a possibilidade iminente de repressão violenta, mesmo quando o processo é pacífico e a legalidade de sua realização assegurada por decisão judicial, como se viu recentemente. Nas manifestações de ontem, uma mulher foi presa acusada de incitar o depredamento de estação e de desacato. A pergunta que fica é: não haveria outro modo de uma força policial com dezenas de profissionais lidar com uma só protestante mais exaltada?


Mediadora propôs aumento maior
Enquanto isso, o mandatário de voz mansa e mão pesada sussurrava para a mídia que "A greve é cruel", como se se referisse a um ente autônomo que, para existir ou deixar de acontecer, não dependesse das ações que ele próprio, como governador, decidisse tomar ou deixar de tomar.

Ao final do dia, evidenciando, uma vez mais, que todo o transtorno imposto à população poderia ter sido evitado com um mínimo de responsabilidade administrativa, respeito aos paulistanos e melhor equacionamento de despesas governamentais (cortando, por exemplo, os milhões que gasta comprando, sem licitação, a revista Veja ou a Folha de S. Paulo), o governo aumentou sua oferta de aumento salarial para 6,17% e de correção percentual de benefícios em índices bem menores do que os reivindicados. Mesmo estando abaixo dos 6,45% propostos, em audiência conciliatória, pela desembargadora Anélia Li Chum e muito aquém dos 14,99% de aumento real reivindicado pelos metroviários, estes, deixando claro que não são os intransigentes nem os vilões da história, fecharam um acordo e voltaram aos trabalhos. 

Aguardarão agora, como não poderia deixar de ser na São Paulo atual, pelas investigações que nada menos do que três promotorias, designadas pelo Ministério Público, farão sobre a greve de um dia.


(Imagem retirada daqui)

terça-feira, 22 de maio de 2012

A greve nas universidades federais


A greve dos professores das universidades e institutos federais é, antes de mais nada, desnecessária.

Afirmo isso não no sentido de acusar os grevistas por um gesto que seria leviano ou irresponsável – pelo contrário: o ônus por essa paralisação deve ser atribuído tão-somente ao misto de descaso, arrogância e teimosia com que o governo Dilma Rousseff vem tratando os docentes federais e suas demandas.

Bastaria um pouco mais de boa vontade por parte do governo, ao invés de seguidamente “enrolar” os representantes dos professores, adiar a tomada de decisões e, no que já parece ser um traço distintivo do “estilo Dilma”, tensionar ao máximo a questão e, ao mesmo tempo, recusar-se a agir sob pressão, e a greve – que neste momento se amplia e que acabará por penalizar professores, funcionários e, sobretudo, alunos - teria sido facilmente evitada.


Protelação e má vontade
O governo firmara, em 2011, um acordo com o sindicato da categoria se comprometendo a instaurar o Plano de Carreira até março de 2012. Agora, em final de maio, o MEC anuncia que a medida ficou para 2013.

De modo similar, no ano passado o governo concordara, após tensas negociações, em conceder um aumento de míseros 4% aos docentes a partir de março de 2012. Foram necessários, porém, seguidos dias de paralisação em protesto e a ameaça concreta de greve no início deste mês para que uma Medida Provisória fosse assinada, finalmente tornando efetivo (e retroativo) o aumento anteriormente acordado. Pergunto: por que humilhar assim uma categoria profissional, se o aumento já fora acertado?


Os exemplos dos parágrafos acima fornecem uma boa medida dos termos em que se dão as relações do governo com os docentes, cujas demandas são invariavelmente proteladas: a má vontade evidente e os prazos sempre vencidos demonstram de forma cabal que a Educação só é prioridade para o governo Dilma nas propagandas eleitorais. Na prática, a teoria é outra: foi preciso que a greve estourasse para que o MEC viesse a público procurando justificar os atrasos e afirmando manter os canais de comunicação abertos (o que é, sem dúvida, positivo, sobretudo se comparado às práticas do governo FHC - mas vale assinalar que continuar a tomar FHC como parâmetro é perpetuar o inaceitável).

 


Salário defasado
Além desses problemas, persiste sem encaminhamento uma das principais demandas dos professores – que o que recebem a título de gratificação (uma malandragem contábil dos governos anteriores ao de Lula) seja incorporado ao salário, como ocorre com a vasta maioria dos assalariados do país.

Aliás, a questão salarial, que havia recebido atenção do ex-presidente petista até o início de seu segundo governo, volta a se mostrar em um patamar periclitante. O vencimento médio de um professor adjunto com contrato para 40 horas semanais, mesmo contando com as tais gratificações, é de cerca de um terço do que percebem juízes, promotores e membros dos legislativos municipais, estaduais e federal – sendo que todos, via de regra, com uma formação bem mais curta e menos especializada do que a de um professor-doutor, o qual, recebendo, na melhor das hipóteses, uma ajuda de custa simbólica, passa, após a graduação, quase uma década lendo, pesquisando, se adestrando intelectualmente e sendo periodicamente avaliado por seus pares ou orientadores até que esteja pronto para se tornar mestre e, depois, se doutorar. 

O professor Pierre Lucena (UFPE) dimensiona o grau de defasagem salarial: "Só para terem uma ideia da distorção, em 2003 um pesquisador com doutorado do Ipea ganhava R$ 300,00 a menos que um professor com doutorado na Universidade. Hoje ele ganha R$ 5 mil a mais que a gente. O mesmo acontece com o MCT [Ministério da Ciência e Tecnologia]".


Situação de penúria
Para além da questão salarial, há demandas urgentes e denúncias preocupantes. Na nota oficial que divulgou à sociedade, o Sindicato Nacional das Instituições de Ensino Superior (ANDES) denuncia um quadro bem diferente daquele pintado pelo marketing oficial, relatando “instituições sem professores, sem laboratórios, sem salas de aulas, sem refeitórios ou restaurantes universitários, até sem bebedouros e papel higiênico, afetando diretamente a qualidade de ensino”.

Tais carências afetam, sobretudo, as novas universidades criadas durante o governo Lula. E vêm se somar a um problema que venho reiteradamente denunciando aqui: a contratação dos chamados “professores temporários” para dar aula em tais campi.


Qualidade da inclusão
Com um contrato de trabalho ainda pior do que o de professor substituto – e inaceitável numa democracia avançada - essas vagas mal remuneradas, sem benefícios, estabilidade ou período pré-determinado de vigência, naturalmente pouco atraem candidatos com titulação de mestre ou doutor – ausência de titulação que, por si, é um impedimento ao desenvolvimento de pesquisas, já que as agências de fomento que as financiam têm um padrão mínimo de exigência quanto a isso.

A prorrogação indefinida dessa situação – que já vem se arrastando por alguns anos – pode gerar efeitos altamente indesejáveis, seja no nível de formação dos estudantes, na quantidade e qualidade da pesquisa pelas novas universidades desenvolvidas ou na consolidação de uma distinção axiológica entre dois grupos muito díspares entre si de universidades federais.

A principal questão que se coloca é: a inclusão de novos estratos sociais na universidade é para valer – ou seja, oferecendo a todos um ensino do melhor nível possível – ou, a despeito dos esforços democratizantes, ela acabará por servir à repetição, no interior da universidade, da brutal assimetria social que se verifica na sociedade brasileira? A resposta a essa pergunta é crucial para o futuro do Brasil em termos de educação e trabalho.


Mídia e militância
É importante, aqui, abrir parênteses para um comentário sobre a postura da mídia ante os problemas da educação em âmbito federal: embora não costume perder uma oportunidade de atacar o governo chefiado por Dilma, mantém o mais completo silêncio quanto à questão. Explica-se: a demanda por melhores salários, condições de trabalho e adoção de um Plano de Carreira que estabilizaria, a longo prazo, a profissão docente contraria frontalmente a orientação neoliberal para a estruturação do ensino superior, que recomenda sua privatização e instrumentalização como apêndice dos setores empresariais e industriais privados.

A novidade é a repetição de uma estratégia de avestruz também por parte de setores governistas na blogosfera e nas redes sociais, como forma de mitigar ou mesmo esconder a gravidade do estado de coisas no ensino superior federal. Não deixa de haver alguma ironia sinistra no fato de que vários dos que se autoproclamam inimigos figadais da mídia corporativa adotem a mesma estratégia do silêncio por esta empregada, quando, para eles, o que está em jogo é a paixão político-partidária e não a luta por uma sociedade mais justa.


Longo caminho
Há um longuíssimo caminho a ser percorrido pela administração Dilma para consubstanciar em realidade a promessa – reiterada durante a campanha eleitoral e reforçada no discurso de posse – de que a Educação seria uma prioridade em seu governo. Pelo que estamos vendo até agora, nesses 17 meses, estamos bem longe disso. 


(Imagens retiradas daqui e dali)

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Metrô tucano põe população em risco


 O Metrô de São Paulo foi, durante anos, modelo de transporte urbano na América do Sul. Tenho um tio que desempenhou um papel de alguma importância na concepção e implementação da primeira linha, inaugurada em 1972, e, embora eu fosse muito pequeno para lembrar, sei que ele viajara anos antes ao México para estudar o metrô da capital daquele país, que teria sido a principal referência para seu similar paulistano.


Piora sensível
No decorrer de pelo menos duas décadas, “pegar o metrô” em São Paulo era não apenas usufruir de um meio de transporte rápido e eficiente, mas vivenciar uma experiência urbana que tinha até um certo charme, advindo do ar futurista do trem e das estações, da atmosfera clean, da sensação de frescor proporcionada pelo sistema de ventilação, da civilidade de quase sempre viajar sentado, lendo um livro ou vendo as moças, sem qualquer preocupação com acidentes ou assaltos.

O tom saudosista do parágrafo acima não é gratuito. O caráter idílico-modernista das viagens de metrô pertence a um passado distante, e há tempos que fazer uso de tal meio de transporte corresponde, na mais das vezes, a vivenciar uma experiência que oscila do penoso ao insuportável.


Denúncias e mortes
A passagem de um passado modelar para um presente infernal é reflexo direto do descaso com que os governos peessedebistas – no poder há mais de 17 anos – vêm tratando os serviços essenciais à população, seja no transporte, na saúde ou na educação.

No caso do Metrô, a situação se agrava a partir da primeira eleição de Geraldo Alkmin para governador, seguida da temerária gestão Serra. No período, iniciam uma queda de braço com o sindicato e com a Justiça por quererem impor um modelo de privatização do tipo UPP em que o Estado não só garante um faturamento mínimo (e o cobre, com dinheiro do contribuinte, se não alcançado), como ainda investe cerca de 73% do custo das obras, mais melhorias eventuais.

O resultado não demora a aparecer: em meio a denúncias acerca da qualidade do material empregado na construção e das condições de insegurança dos trabalhadores, em janeiro de 2007 ocorre um desabamento de grandes proporções em um dos canteiros de obra da Via Amarela, na Marginal Pinheiros, gerando uma cratera enorme (foto), no maior acidente em obras de transporte da história da cidade, que matou sete pessoas, interditou 55 casas, sete das quais tiveram de ser demolidas. Blindado pela mídia, como de costume, a reação de Serra foi se esconder e fingir que não era com ele. O caso dorme na letárgica Justiça paulista.


Lata de sardinha
A partir daí, o sucateamento do metrô é cada dia mais visível, até chegar ao caos de nosso dias: há uma redução drástica de bilheterias abertas, provocando enormes filas; todas as linhas pioram, particularmente a linha Vermelha (Leste-Oeste), que atinge um ponto de saturação, fazendo com que viajar em seus trens entre as seis e as nove da manhã e entre as  17 e 20 horas, em vagões muito mais lotados do que o humanamente tolerável, signifique enfrentar um desconforto extremo, correndo risco de asfixia, torções e fraturas.

Em épocas eleitorais, o governo inaugura, com muito marketing e carnaval da mídia amiga, um par de estações, enquanto achata os salários dos trabalhadores (do que foi, um dia, um setor trabalhista cobiçado pelo funcionalismo estadual). Fora isso, a única coisa que tem avançado no metrô paulistano é o preço da passagem, que há anos não conta mais com os bilhetes múltiplos que aliviavam o bolso dos usuários. Na outra ponta, o sindicato vem há tempos fazendo alertas a repeito de sobrecarga de trabalho, pessoal insuficiente e riscos iminentes.


Crônica de uma tragédia anunciada
O acidente de hoje, que feriu 107 pessoas, era, portanto, uma possibilidade no ar, perceptível por qualquer pessoa com senso de atenção, e prenunciado repetidas vezes por sindicalistas, experts e por aqueles minimamente familiarizados com a derrocada do metrô. E é importante ter-se claro que a batida entre os trens só não resultou em uma tragédia de proporções maiores graças à destreza de um dos condutores, que acionou o modo manual a tempo de frear (quando o sistema automático dera um comando para o trem acelerar em direção a outro parado à sua frente).

Porém, que sirva como um alerta: se nada de realmente efetivo, para além das maquiagens, panaceias e truques eleitorais, for feito, se o porquê de não ter sido verificada a denúncia sobre falhas que o diretor do sindicato alega ter recebido, o risco de tragédia continua, infelizmente, iminente.


(Imagens retiradas daqui e dali)

domingo, 13 de maio de 2012

Por que Veja tem medo?


Tão logo Lula foi eleito presidente, ao final de 2002, a oposição capitaneada pelo PSDB e pelo PFL adotou o moralismo denunciativo como estratégia virtualmente única de atuação política. Para tanto, teve como parceira fundamental o grosso da mídia corporativa.

O cálculo a sustentar tal estratégia era simples: com a oposição valendo-se de denúncias de corrupção e do domínio dos meios de manipulação da opinião pública, bastaria minar o governo Lula até que ele caísse de podre – fosse via eleições ou, preferencialmente, através de um impeachment.



Antecedentes golpistas
Não se tratava de vã projeção. Tal cálculo vinha reforçado por experiências bem-sucedidas anteriores – notadamente a crise que levou ao suicídio de Getúlio Vargas, mas também graves manipulações patrocinadas pela mídia e que ocorreram às vésperas de eleições mais recentes, como o caso Proconsult (tentativa co-patrocinada pela Globo de fraudar as eleições de Leonel Brizola a governador do Rio, em 1982); a edição tendenciosa do debate entre Lula e Collor e o esforço para implicar o PT no sequestro de Abílio Diniz (fazendo os sequestradores vestirem camisas do partido), às vésperas da eleição de 1989; e a suposta tentativa de compra de dossiê contra José Serra por petistas em 2002, episódio que carece de lógica e motivação.

Todos esses fatos têm um denominador comum: a ação da mídia - muitas vezes ilegal, sempre parcial - a favor das forças conservadoras e contrária às forças populares de esquerda ou centro-esquerda. Vistos em conjunto, eles revelam a adoção de um padrão de atuação, padrão este que diz respeito, em primeiro lugar, a partidos políticos que abdicaram de um projeto de país em nome de um samba de uma nota só moralista do tipo “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço”.




Dois pesos...
Em segundo lugar, referem-se a um jornalismo despreocupado de uma deontologia mínima e que endossa e açula o comportamento anti-republicano de tais forças políticas ao, por um lado, exaltar-lhes uma sua duvidosa “capacidade de gestão” e negligenciar a denúncia de casos de corrupção ou de incompetência administrativa que as envolvam; e, por outro lado, ao superdimensionar ou mesmo fabricar racusações de corrupção contra seus opositores, de cujas administrações se recusa a reconhecer qualquer eventual mérito ou realização.

Diante de tais fatos, é insuficiente a resposta monocórdia com que os internautas amestrados pelos “blogueiros” de Veja reagem ante as denúncias contra a publicação, e que busca, invariavelmente afirmar a culpa dos petistas. A questão, aqui, não é esta. Em todo e qualquer caso, se, após examinar as provas, a Justiça se convencer de que houve, efetivamente, corrupção, que os transgressores sejam punidos, à revelia do partido a que pertençam. O que não se pode permitir é o pré-julgamento pela mídia e a assimetria de tratamentos que ela dispensa à corrupção quando praticada pelo conservadorismo ou pela aliança petista, escondendo e negligenciando o que vem dos primeiros enquanto superestima – ou mesmo cria - o que se refere aos segundos.



Golpe e contragolpe
A crônica política dos dois governos de Lula e da presidência de Dilma Rousseff se constrói em meio ao contexto político-midiático acima esboçado. Nele se inserem desde as denúncias, procedentes ou não, contra membros do segundo e terceiro escalões – incessantes desde 2002 - até a crise do “mensalão”, episódio durante o qual as forças conservadoras pareceram, por um momento, prestes a lograr seu objetivo, frustrado sobretudo graças ao misto de habilidade e destemor que Lula demonstrou ao lidar com o caso.

Para as forças golpistas, não se tratou de mera perda eventual de uma “janela de oportunidade”. Uma nova dinâmica comunicacional no país se intensifica justamente a partir desse momento, de forma intensa e em um movimento que é claramente de esvaziamento do poder de influência da grande mídia corporativa e de aumento da força das rádios interioranas, das publicações regionais e, sobretudo, da internet.



Fim de uma era
Assim, o conluio mídia-demotucanato, enquanto procurava desqualificar Lula como analfabeto e Dilma como “poste”, não se deu conta de que o país mudava e, em meio ao esvaziamento progressivo dos factoides - e a despeito das aparições frequentes de Demóstenes e Álvaro Dias no Jornal Nacional -, era a sua propalada força como formador de opinião que estava a se esvair. Tornara-se anacrônico. As denúncias contidas no livro A Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Jr.povoaram de pesadelos seus sonhos de poder, mas o abrupto despertar só se deu efetivamente agora, com a CPI da Cachoeira, após desmascarar seu falso catão Demóstenes, prestes a botar a mídia no banco dos réus. 

Eis porque as reações iradas da revista Veja e de O Globo contra a blogosfera e as redes sociais, que tiveram lugar nos últimos dias após longo tempo represadas, fornecem a evidência maior do fracasso do projeto golpista das forças conservadoras, ao qual o demotucanato e a mídia vêm se dedicando desde a primeira eleição de Lula. 


Acting out
Alguém já disse que não basta ler os jornais nas entrelinhas, é preciso fazê-lo de forma psicoanalítica. Quando duas publicações da mídia gorda, as quais passaram anos fingindo desconhecer o papel transformador da blogosfera não corporativa, descem do salto alto e partem para a tentativa de desqualificação, isso é a expressão acabada de sua impotência e o reconhecimento do poder da força comunicacional que se lhes opõem.

Quanto mais Veja e O Globo espernearem e partirem para a desqualificação agressiva, não só estarão confirmando, uma vez mais, que suas práticas não coadunam com um jornalismo profissional minimamente sério, mas ratificando a capacidade de comunicação da blogosfera e das redes socais, que hoje já oferecem, respectivamente e em relação à mídia convencional, as mais embasadas análises e uma capacidade de movimentação rápida e efetiva.

Como se pode constatar ao longo do texto, são efetivamente muitas as razões a justificar o medo que Veja afirma sentir. 


(Imagem retirada daqui)

terça-feira, 8 de maio de 2012

O ataque de O Globo à blogosfera


Em editorial publicado hoje (08/05), O Globo, no afã de defender sua comparsa de denúncias e factoides, a revista Veja, sobe o tom dos ataques da mídia corporativa contra a blogosfera (veja reprodução comentada no blog da Maria Frô).

A peça, que vem com as digitais do “imortal” Merval Pereira, intitula-se “Roberto Civita não é Rupert Murdoch”, e é nosso dever admitir que, ao menos no título, está certa. Com efeito, o megaempresário proprietário do jornal sensacionalista News of the World é acusado tão-somente de grampear meio mundo no Reino Unido, enquanto as acusações que pesam sobre a publicação de Civita são muito mais sérias - pois, como aponta Luis Nassif, "A parceria com Veja tornou Cachoeira o mais poderoso contraventor do Brasil moderno, com influência em todos os setores da vida pública".

Quem te viu, quem te vê: O Globo, um jornal sempre tão sensível às denúncias de corrupção, agora que a casa cai descarta como insignificante o envolvimento de Veja com o maior contraventor de nossos dias...

 
Folha corrida
Em post histórico, Nassif, que tem o mérito indiscutível de ter revelado com grande antecedência o grau de perversidade das práticas de Veja - sofrendo retaliações judiciais e ataques a sua família -, elenca nada menos do que nove suspeitas "que necessitam de um inquérito policial para serem apuradas", advindas das relações da publicação com Daniel Dantas e com Carlos Cachoeira. Há desde invasão de quarto de hotel até publicação de matéria falsa, passando por tentativa de manipulação da Justiça e negligência para informar o público como forma de beneficiar o esquema do bicheiro nos Correios. 

Temos, portanto, uma vez mais, de concordar com o perspicaz editorialista: “Comparar Civita a Murdoch é tosco exercício de má-fé”.


Tática desqualificadora
O Globo – que ajudou a repercutir quase todas as denúncias de Veja contra o governo federal – abre o editorial cuspindo fogo: “Blogs e veículos de imprensa chapa branca que atuam como linha auxiliar de setores radicais do PT desfecharam uma campanha organizada contra a revista 'Veja'”.

É a mesma lenga-lenga de sempre, tentar desautorizar a opinião divergente desqualificando-a como ideológica e partidariamente engajada (como se as do jornal não o fossem...). Pior: trata-se de uma dupla mentira. Primeiro, porque qualquer analista que se dedicar a examinar, com isenção, os blogs até agora citados neste post – o de Maria Frô, o de Nassif e este aqui -, além de vários outros, há de constatar a presença de diversos textos críticos em relação ao governo federal (sendo que cansei de ler acusações raivosas, por parte de governistas, a mim e a Frô devido a nossas ponderações).


Jornalismo partidário
A outra mentira é a afirmação de que se trata de uma “campanha organizada”. O que move a maioria absoluta da blogosfera não é uma inexistente palavra de ordem partidária, mas a genuína indignação pelo estado a que chegou o jornalismo brasileiro após uma década de ação irracional, não profissional, esta sim partidarizada (como a própria Judith Brito, executiva do Grupo Folha e sindicalista patronal, admitiu, com a insolência característica).

Uma ação, por um lado, descaradamente engajada na defesa do grande capital, do demotucanato e do mercado financeiro (como a reação ante o corte de juros promovido pelo governo federal ilustra de forma inconteste); por outro lado, hidrófoba no trato com tudo o que diga respeito a avanços sociais, democracia racial e o cumprimento, ainda que tímido, do programa das forças de centro-esquerda que venceram, de forma legítima, as eleições.


Inverdades a granel
Esperar que o editorialista de O Globo admitisse tais fatos seria o cúmulo da ingenuidade. Ao invés disso, ele prefere gastar parágrafos numa digressão sobre ética jornalística em que, citando até os “Prinípios Editoriais das Organizações Globo” - pausa para a gargalhada – faz uma tremenda ginástica verbal para fingir não apenas que os procedimentos de Veja não pertencem à esfera criminal, mas que são eticamente legítimos. Mais cara de pau impossível.

Por fim, o editorial recorre a mais uma inverdade, ao afirmar que “não houve desmentidos das reportagens de 'Veja' que irritaram alas do PT”, emendando com uma das poucas afirmações verdadeiras da peça: “Ao contrário, a maior parte delas resultou em atitudes firmes da presidente Dilma Roussef, que demitiu ministros e funcionários, no que ficou conhecido no início do governo como uma faxina ética.”


Dilma e a mídia
Neste ponto só nos resta lamentar, por um lado, que o editorialista de O Globo trate seus leitores como idiotas, ao negligenciar-lhes o fato óbvio de que houve um cálculo político – em que pesou o receio de que o bombardeio denuncista midiático pudesse afetar a governabilidade e o grau de aprovação da administração– a motivar a decisão de Dilma em relação à maioria das demissões.

Por outro lado – e provando inverídica, uma vez mais, a acusação de chapa-branquismo – é preciso reafirmar nossa posição contrária à maneira como Dilma Rousseff administrou suas relações com a mídia no primeiro ano de seu governo, cortejando-a e cedendo com tibieza às pressões advindas das denúncias e factoides, ao invés de reagir de forma condizente e fazer valer o poder do Executivo no sentido de pressionar por um jornalismo ético.


Crise de confiança
A blogosfera política é muito mais ampla e diversificada do que O Globo quer fazer crer – e ele poderia facilmente constatar tal fato se se propusesse a praticar jornalismo de verdade ao invés de se enlamear em tramas fantasiosas, denuncismo tendencioso e associações suspeitas.

O crescimento e o peso crescente da blogosfera e das redes sociais como fatores de contrainformação não pode ser explicado pela fórmula simplista do engajamento partidário. Tal sucesso advém, em larga medida, justamente da descrença no consórcio Abril-Rede Globo-Grupo Folha, descrença esta que tende a se difundir exponencialmente à medida que as reportagens da TV Record sobre a Veja atingirem um público exponencialmente maior. 

Um editorial como o de O Globo de hoje só açula o descrédito e a desconfiança em relação ao jornalismo que o jornal pratica e que endossa.


(Imagem da casa caindo tirada daqui)

domingo, 6 de maio de 2012

Jornalismo político perde os últimos escrúpulos


O consórcio midiático capitaneado por Editora Abril, Rede Globo e Grupo Folha tem deixado claro que a cobertura que dispensará à CPI do Cachoeira será variada: diálogos e pensamentos obtidos graças a dons mediúnicos de jornalistas, elementos de ficção interessada, ilações as mais absurdas, inverdades a granel e, sobretudo, muita inversão dos fatos.

Em compensação, a reprodução fiel e equilibrada do conteúdo dos autos e dos acontecimentos – essa obsessão dos chatos - será, dispendiosa, deixada de lado. A palavra de ordem nos telejornais e jornalões é ocultar ao máximo o conluio entre crime organizado e imprensa, preservar os acusados pertencentes ao demotucanato e dar um jeito de envolver, com o máximo de publicização, aliados do governo federal. Foi o que se viu e leu, esta semana, no cada vez mais vergonhosamente tendencioso jornalismo político praticado no país.


Inversão de culpa
Assim agindo, essa mídia, após banalizar as denúncias de corrupção com tapiocas e caronas, quer agora fazer crer aos desavisados e às velhinhas de Taubaté que o mais grave caso documentado de crime organizado desta década, envolvendo, em seu epicentro, políticos do alto escalão do DEM, não passa de mais um dentre tantos “malfeitos” dos incorrigíveis petistas.

Ora, é apostar muito alto na ingenuidade de eleitores que, em sua maioria - como as três últimas eleições presidenciais deixaram claro -, demonstram ter mais confiança na própria capacidade de avaliação de suas opções eleitorais do que na palavra de comentaristas políticos, por mais irrepreensivelmente aparados que sejam os bigodes destes.


Dissidências
Extinguem-se, assim, as esperanças – de resto, ilusórias - de que a mídia nativa pudesse aproveitar o ensejo que a CPI lhe oferece para redimir-se das práticas tão distantes do bom jornalismo quanto próximas da ilegalidade golpista que caracterizaram sua ação na última década.

Mas seria impreciso afirmar que nada mudou na esfera midiática após o escândalo Cachoeira-Demóstenes-Veja. Por um lado, emissoras não filiadas a tal consórcio midiático – notadamente, a Rede Record – têm dado mostras de que pretendem cobrir o caso de forma condizente, doa a quem doer. Tanto o site R7 quanto a TV Record e, sobretudo, a Record News vêm fornecendo aquela que é, até o momento, a melhor, mais completa e menos parcial das coberturas acerca do caso, a anos-luz do jornalismo-carochinha ficionado por suas concorrentes.



Vozes contrárias
Outra decorrência da CPI – e da constatação de que sua cobertura pelos grandes veículos de mídia permaneceria preso a vicissitudes e partidarismos – é que várias publicações, nos bolsões minoritários da imprensa que vinham, há tempos, insistindo em praticar jornalismo de fato – Carta Capital à frente -, disseram adeus a qualquer eventual pudor corporativo e passaram a escancarar o envolvimento da mídia no esquema ora apurado pela CPI.

Acrescente-se a tal quadro a constatação de que tanto a nomeação de Brizola Neto ao Ministério do Trabalho quanto o enfrentamento do governo federal aos bancos - no sentido de que estes reduzam suas taxas de juros - têm sido motivo de reação corporativista do referido consórcio midiático, reação esta que fornece, uma vez mais, provas da subserviência da mídia corporativa ao capital financeiro em detrimento dos interesses dos cidadãos (“Um jornal a serviço do Brasil” é o dístico da Folha de S. Paulo. Resta saber a qual Brasil se refere).


Combate urgente
Tudo somado, a campanha eleitoral deste ano deve ser particularmente atribulada, pois se em campanhas anteriores a mídia corporativa já agia como partido político de oposição à aliança governista, este ano tal postura deve ser açulada pela reação às próximas revelações da CPI do Cachoeira e pelo incentivo em espécime que deve vir dos baús da banca contrariada.

Nada disto é positivo para a evolução da democracia brasileira e das práticas republicanas no país, mas, ao contrário do que acontecia em um passado não tão distante, ao menos se pode contar, agora, com um (difuso e em minoria, mas efetivo) poder de contrainformação, seja dos setores minoritários da mídia ou, com mais pujança, dos blogs e redes sociais. 

Delineia-se um combate tão intenso quanto necessário.


(Imagem retirada daqui)