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sexta-feira, 3 de junho de 2011

Voltamos a ser um país engraçado

Uma das mudanças mais perceptíveis no governo Dilma é que o Brasil voltou a ser um país engraçado. Na era Lula, com os 35 milhões retirados da pobreza e a ascensão visível de uma nova classe média, com o Pré-sal, as Olimpíadas e a Copa, aquela tendência tão nossa de apelarmos para o cômico como forma de sublimar nossas mazelas parecia ter mitigado.

A maledicência contra o país, a certeza da superioridade do primeiro mundo (encarnada no anacrônico Manhattan Connection), o culto à vergonha de ser brasileiro pareciam, enfim, restritos à mídia corporativa que sempre os cultivou.

Uma nova possibilidade de país parecia se desenhar à nossa frente, permitindo que nos livrássemos de vez do que Nelson Rodrigues chamou de nosso “complexo de vira-latas” e, destarte, abrindo mão do subterfúgio da ironia.

Comunista ruralista
Agora, não. Votamos a ser um país tão engraçado que temos até um comunista ruralista! - e que consegue a façanha de relatar um Código Florestal em que as principais vítimas são justamente as florestas.

O debate mais hilário a assomar à arena pública talvez tenha sido o fuzuê sobre o tal livro didático. Foi (tem sido) muito engraçado ver gente que se esmera obsessivamente para escrever corretamente, fiel à norma culta, defendendo, por fanatismos políticos, que seria correto cunhar “os livro” e “nóis fumo”. O dia em que essa gente for coerente com suas ideias e passar a escrever desse tal jeito, como defende que seja certo, aí dará para levar a sério seus argumentos.


Risonhas leniências
Mas o que há de mais engraçado nesse risonho Brasil atual é, na minha opinião, a argumentação da turma que defende Palocci. “Qual é o crime?”, perguntam teatralmente, “Ele declarou tudo à Receita Federal!”, atenuam, como se fosse normal que um sujeito que saiu pelas portas do fundo da vida pública ganhasse em um ano dezenas de milhões de reais, grande parte durante a campanha eleitoral – em que, como membro central da equipe da candidata vencedora, tinha livre acesso a dados sigilosos da economia.

Ora, distraídos indignados, o crime do qual se suspeita é de tráfico de influência, e em qualquer país sério do mundo o acusado, em tais circunstâncias, se licenciaria do cargo para comprovar sua alegada inocência, ao invés de levar o governo (quero dizer, as florestas e os gays) às cordas.


Amarga ironia
Os gays? Ah, sim, pois o Brasil tornou-se uma república tão histriônica que até a presidente, do alto de seu cargo, se dispõe a vetar pessoalmente desenhinhos animados educativos porque eles poderiam ferir a sensibilidade moral de um poderoso grupo de religiosos. Religiosos cuja moral, quando se trata de poder e capital, é bem menos sensível.

Exemplos como o acima deixam claro que o retorno do Brasil à categoria de país engraçado não produz como efeito nem aquele riso solto e espontâneo - estilo Ronald Golias no auge - nem aquele sorriso de sagacidade malandra suscitado pelas crônicas de Aldir Blanc. Numa era em que até os humoristas, num surto arrivista de autopromoção, adotam temas como estupro e campos de concentração, o Brasil destila um humor do tipo “rindo pra não chorar”, tragicômico, que pode vir a se tornar uma não-ironia abissal quando se constata que o atual governo fora eleito, sobretudo, para dar continuidade àquele país promissor da Era Lula.

Aí é que nos damos conta de que, no risonho Brasil atual, os palhaços somos nós.


(Foto do palhaço Carequinha retirada daqui)