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domingo, 21 de novembro de 2010

Quem tem medo das questões de gênero?

Parece claro que a eleição de Dilma Roussef à Presidência do Brasil traz consigo uma simbologia positiva para o status da mulher na sociedade brasileira contemporânea, assinalando, talvez, para um melhor equacionamento das questões de gênero no país.

Com uma presidente que, segundo publicações de prestígio como a Forbes e o The Independent, é hoje uma das pessoas mais poderosas do mundo, espera-se não apenas um acréscimo de auto-estima – e talvez de maior disposição para lutar por seus direitos – por parte das mulheres brasileiras mas uma maior atenção governamental às suas demandas.

Entre estas - que incluem uma longa pauta dirigida a questões oriundas da relação entre maternidade/casamento, tais como igualdade de direitos, de volume de trabalho e de oportunidades educacionais e empregatícias – destaca-se a necessidade de equiparação salarial com os homens: enquanto, no mundo, as mulheres recebem uma média salarial de 20% a menos do que os homens, desempenhando a mesma função - o que já é inaceitável -, no Brasil, segundo o IBGE, essa diferença salarial é da ordem de 56%. E não nos esqueçamos que o acesso das mulheres às melhores posições é muito mais restrito do que aos homens.

Mas a mais premente das lutas relacionadas às questões de gênero ainda é o combate à violência contra a mulher. A despeito do avanço representado pela promulgação da “Lei Maria da Penha” – que pune de forma mais severa os agressores -, o quadro no Brasil permanece desolador. Pesquisas internacionais mostram que entre 23 e 27% das mulheres brasileiras estão sujeitas a alguma forma de violência doméstica. Segundo o Ibope, tal modalidade de violência é a preocupação principal de 56% das mulheres brasileiras. Entre as que já foram ou continuam sendo vítimas, 24% alegam não deixar o parceiro por não ter como se sustentar, enquanto 17% temem ser mortas se abandoná-lo.

Ainda assim persiste, no Brasil – mesmo em círculos ditos informados -, um preconceito difuso mas perceptível contra o feminismo e as lutas das mulheres. No caso de homens que defedem tais questões, a reação do patriarcalismo brasileiro é "acusá-los" de homossexualismo ou de submissão - e sinto isso na pele porque, ante o anúncio de que vou ministrar um curso sobre jornalismo e questões de gêneros no próximo semestre, tenho observado reações tão absurdas quanto cômicas, denunciadoras do grau de preconceito de quem as propaga.

Esse tipo de reação, observável à mancheia nossa sociedade, se insere num quadro ideológico que não distingue posicionamento político: enquanto nos estratos conservadores tanto o patrimonialismo como a religião patrocinam a manutenção de uma mentalidade patriarcal, setores da esquerda parecem ainda suscetíveis a uma visão derivada dos anos de hegemonia do velho “partidão”, vendo no enfrentamento das questões de gênero uma forma de divisionismo que prejudicaria a luta por melhores condições sócio-econômicas. Trata-se de uma falsa dicotomia, pois uma e outra esfera são interdependentes.

É notável, nesse sentido, o sucesso das políticas federais de transferência de renda que privilegiam a mulher como a recebedora legal de tais insumos: possuidora, de ordinário, de aguçado instinto maternal de proteção da prole e estatisticamente bem menos suscetível do que o homem a vícios como o jogo, as drogas e o alcoolismo, essas mães convertidas em administradoras assomam a um novo papel social no Brasil contemporâneo, enquanto sua família ascende economicamente.

Trata-se de um indício de avanço, a fornecer esperanças de que, em um espaço curto de tempo, o governo e a sociedade brasileiros consigam disseminar políticas eficazes de combate à violência de gênero e de equiparação efetiva dos direitos de homens e de mulheres.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O que penso sobre o caso Enem

A polêmica sobre o Enem, deflagrada no último final de semana, tem acirrado ânimos de uma forma tal que, seja entre seus críticos ou entre seus defensores, a razão e o bom senso têm sido as principais vítimas.

Um dos argumentos mais repetidos ao longo da polêmica é que, por se tratar de um problema que só teria afetado uma ínfima parcela percentual dos que prestaram o Enem - de 0,04 a 0,06%, a depender da fonte consultada -, a falha seria pouco significante. Trata-se de um argumento tão lógico quanto falacioso. Pois, evidentemente, só é possivel aferir a gravidade de um fato a partir de dados percentuais se se leva em conta a dimensão numérica da amostra. Ou seja, numa classe de aula com 40 alunos, por exemplo, é absolutamente insignificante algo que incida sobre 0,05% da amostra; mas se pensarmos num desastre natural - digamos, um tsunami - que atingisse fatalmente 0,05% da população brasileira, constataríamos que quase 100 mil pessoas morreriam - o que seria, sob qualquer critério, um desastre de enormes proporções, com manchetes no mundo todo.

Como o universo total de prestadores do Enem é da ordem de 10 milhões de jovens, portanto, a priori, não se pode descartar o problema ocorrido no exame apenas com base em dados percentuais.


Insegurança geral
Outro dado importante a se levar em conta é que o dano sequer se limita ao universo de 4,5 mil alunos diretamente prejudicados - pois, como os problemas ocorreram no sábado, primeiro de dois dias de exame, a divulgação de sua ocorrência instaurou um processo de insegurança psicológica que certamente afetou um contingente bem maior de alunos - o que persiste agora, com a incerteza jurídica a respeito de sua validade.

Esses são problemas reais, efetivos e de grande dimensão. Fechar os olhos para isso, atribuindo a reação tão-somente à oposição intransigente e ao PIG malvado, como tantos vêm fazendo na internet, equivale a adotar a tática-avestruz, enterrando a cabeça na terra para não ver nada.

Mesmo porque,em qualquer lugar do mundo, a imprensa "cairia matando" - e com razão - contra um ministério que, pelo segundo ano consecutivo, prejudica milhares de estudantes no momento crucial de se qualificarem para entrar na universidade. Que, no Brasil, a mídia que se confunde com a oposição alcance os trinados de histeria golpísta em relação ao tema é algo a denunciar e refutar, mas não surpreende nem, de modo algum, torna o caso menos grave.


Enem contraria interesses
Por outro lado, é evidente que, como Stanley Burburinho e outros vêm seguidamente argumentando na tuitosfera, é do interesse de diversos setores da elite boicotar e se possível provocar o fim de um exame que reconhecidamente aumentou o grau de democratização do acesso ao ensino superor, convertendo-se em meio de ingresso à universidade para segmentos historicamente segregados. Não se pode, portanto, descartar a hipótese de sabotagem proposital contra o exame - assim, as investigações devem contemplar todas as hipóteses, ainda mais por se tratar de problema reincidente (embora não exatamente da mesma natureza do havido o ano passado).

Ocorre, porém, que justamente pelo montante de interesses contrários que o exame desperta - e por tal possibilidade de sabotagem estar há mais de um ano no horizonte -, o Ministério da Educação tinha por obrigação redobrar a vigilância e assegurar a excelência do Enem. Ao, na prática, não fazê-lo, parece inevitável que o ônus por tal falha recaia sobre o ministro Fernando Haddad.


Questiúncula eleitoral
Chegamos, assim, ao mencionar o nome do até então possivel candidato petista à Prefeitura de São Paulo em 2012, a uma razão agravante não só para a virulência da mídia partidária - em seu eterno jogo de derruba-candidato-lulista -, mas da reação dos setores esquerdistas na internet e fora dela, os quais reavivem o irrespirável clima das eleições presidenciais.

Ora, é preciso uma boa-fé de Pollyanna para acreditar que o caso não provocará efeitos danosos à candidatura do ministro. Quer queira, quer não, mídia, oposição e amplos setores da população do mais conservador estado da federação vão cobrá-lo incessantemente por conta de uma falha reincidente que afeta milhares de alunos - e não serão tags de apoio no Twitter que vão redimi-lo.


Enem sim, incompetência não
Ademais, com exceção do papel eleitoral da imprensa - que deve ser sempre denunciado e combatido -, não se trata de algo que surpreenda: o mesmo se daria, em qualquer país do mundo, com um ministro-candidato que, por dois anos seguidos, se mostrasse incapaz de gerir com competência um exame destinado a selecionar, entre 10 milhões de jovens, aqueles que ingressarão no ensino superior.

Mas a ilusão, esse veneno eleitoral, consome quem quer ser consumido. Como o compromisso desse blog é com o jornalismo e com políticas progressistas - e não com um partido ou com a campanha do candidato x ou y - preferimos manter a cabeça acima da terra: a luta para a manutenção do Enem é primordial e necessária, mas transcende e não deveria se confundir com questiúnculas partidárias nem abrir mão de critérios de excelência na aplicação do exame.